LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

sexta-feira, 28 de março de 2014

Uma Revolução Científica na Economia a partir da Análise do Comportamento

Texto escrito por Rafael Rossot (Membro efetivo LAC-AC)

Em 1776 o escocês Adam Smith publicou a obra An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (conhecida abreviadamente como “Riqueza das Nações”). Para a doutrina majoritária é este marco do nascimento da Economia como ciência, considerando-se que este autor foi o primeiro a elaborar um modelo abstrato completo e coerente da estrutura e funcionamento do sistema econômico vigente [1]. Trata-se, portanto, de uma ciência jovem e que se desmembrou da Filosofia – assim como ocorreu com a Psicologia.

Assim como na Psicologia, na Economia se desenvolveram diferentes doutrinas com pressupostos filosóficos e teóricos diversos. Criaram-se Escolas que se multiplicaram. Hodiernamente pode-se mencionar, exemplificativamente e sem a pretensão de exaustão, a existência de Liberais, Marxistas, Neoclássicos, Institucionalistas, Neoinstitucionalistas, Novos-Clássicos, Keynesianos e Pós-Keynesianos.

Contudo, a diversidade de escolas é fruto predominante da história do século XX. E a hegemonia teórica da Escola a qual pertencia Smith – chamada de Escola Clássica Inglesa – persistiu com poucos arranhões até a crise de 1929. Somente após a crise é que se constata a aplicação das ideias de Keynes - que coincidiu com o desenvolvimento e apogeu do Estado de Bem-Estar Social – até aproximadamente a década de 70, quando surge com maior força a doutrina neoliberal [2].

Mas independentemente das lutas de poder entre as diferentes Escolas – e da sua aplicação no curso da História em medidas práticas de políticas econômicas-, é certo que todas elas possuem uma concepção de homem formada a partir de dogmas comportamentais.

O que denominamos como dogmas comportamentais? São pressupostos adotados pelas teorias econômicas – que depois reuniram adeptos em torno de “Escolas”-, que estabelecem pressupostos (sem qualquer submissão ao teste empírico) de como os homens se comportam.

Um destes dogmas – que será adiante explorado – é de que os homens são racionais e se comportam sempre objetivando maximizar seu consumo. E esta maximização – que consiste em obter o máximo de consumo com as restrições de orçamento de cada consumidor – é guiada pelo chamado homo economicus, ou seja, pelo dogma de que o homem é plenamente racional. Exemplo: entre produtos idênticos (A e B) com preços distintos (A custa R$1.00 e B custa R$1.20), o homem racional sempre irá comprar o produto A. O fornecedor de B terá, então, que reduzir o preço, pois ninguém comprará seu produto e se persistir neste preço entrará em falência. Os economistas não entendem por qual razão um consumidor pode comprar o produto B, mesmo conhecendo o preço do produto A.

Isto envolve Psicologia? Sim. E isto significa que os economistas estão produzindo Psicologia sem nada saber de Psicologia? Sim. E tal fato não é recente, mas congênito e presente desde a formação das primeiras doutrinas econômicas. Afinal, o objeto da Economia (gostem ou desgostem os economistas) é parte do objeto de estudo da Psicologia, ou seja, o comportamento humano!.

Ocorre que com a aquisição da autonomia acadêmica e a delimitação de objeto, os economistas se desvincularam das demais ciências ditas humanas [3].  Enclausuram-se em seus gabinetes e iniciaram a construção de modelos e leis para explicar os comportamentos-alvo (tais como: poupar, investir, produzir, trocar, distribuir e consumir) que sua recente ciência lhe apresentava como objeto [4]. Enfim: delimitaram certos comportamentos que seriam objeto de sua ciência e em relação a estes construíram dogmas.

Definições clássicas da Economia não deixam dúvidas. A mais divulgada é de que a Economia é uma ciência que estuda a produção, distribuição e consumo de bens. Enfim: e inegável que a Economia estuda comportamentos.

Metodologicamente, ainda, há um reducionismo presente na análise destes comportamentos pelo economistas. Por exemplo: ao abordar a lei da oferta e da demanda somente algumas variáveis são consideradas (como preço e quantidade). Todas as demais variáveis que poderiam explicar os comportamentos analisados (de produzir/vender de um lado e comprar/consumir de outro) são consideradas irrelevantes. Tudo o mais é considerado constante.

Para justificar isto, os economistas alegam que a única forma de explicar a realidade é simplificando-a através de modelos. Há uma expressão em latim para justificar estes modelos: ceteris paribus que significa “todo o mais mantido constante”. Ou seja: algumas variáveis são levadas em consideração e as demais são entendidas como constantes, ou seja, irrelevantes para explicar o comportamento em análise.

Esta situação não passou desapercebida de Skinner. Em Ciência e Comportamento Humano o autor afirmou que a ciência econômica se preocupa apenas com um número restrito de variáveis, da qual o comportamento dos indivíduos faz parte, porém, pondera que se fossem consideradas todas as variáveis extraeconômicas, a economia se transformaria em uma ciência do comportamento [5].

É esta a Revolução que precisa ocorrer na Economia através da Psicologia, mais precisamente a partir da Análise do Comportamento. Revolução aqui entendida pelo conceito do filósofo da ciência Thomas Kuhn: substituição total ou parcial de um paradigma científico [6]. Para Kuhn a primeira etapa consiste apontar as anomalias do atual paradigma. E depois de sua fratura propor um novo paradigma que seja aceito e adotado pela comunidade científica.

Os primeiros passos já foram trilhados, mas ainda são insuficientes. Disciplinas denominadas de Psicologia Econômica e Economia Comportamental surgiram no meio acadêmico. Jornais foram criados como o Journal of Economic Psychology [7] assim como duas associações: IAREP (International Association for Research in Economic Psycology) [8] e a SABE (Society for the Advancement of Behavioral Economics) [9].

Também já há certo consenso quanto à definição da Psicologia Econômica (que pode ser entendida como sinônimo de Economia Comportamental). Segundo a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, primeira brasileira a publicar sobre o assunto e pioneira no Brasil nestes estudos, a Psicologia Econômica pode ser definida como uma busca para compreender a experiência humana e o comportamento humano em contextos econômicos [10]. Para o autor português Carlos Barracho, a psicologia econômica trata do estudo científico das condutas econômicas, ou seja, o estudo do comportamento econômico e dos fatores que influenciam as pessoas na tomada das suas decisões” [11].

Contudo, a crítica que se pode empreender em relação a estas disciplinas é que elas não possuem um aporte teórico definido. São grandes “guarda-chuvas” delimitados apenas pelo objeto (os comportamentos humanos em contextos econômicos conforme acima exposto). É um corpo sem cérebro.

Por seu turno, as pesquisas empíricas são fechadas nelas mesmas. Ou seja: se produz psicologia experimental para compreender os comportamentos concretos (ex: poupar), mas não se desvenda quais são as variáveis que controlam este comportamento e as contingências envolvidas no contexto. É como descrever bem o efeito sem explicar a causa e sem construir relações funcionais.

De qualquer forma há boas contribuições dos pesquisadores destas novas áreas. Como uma das contribuições mais relevantes cabe citar o trabalho dos prêmios Nobel de Economia Hebert Simon (1978) por sua teoria da racionalidade limitada – que quebra o pressuposto de que o homem é um ser racional como pregam os economistas há mais de dois séculos – e de Daniel Kahneman (prêmio angariado em 2002) a respeito de escolhas econômicas dentro de contextos de racionalidade limitada [12]. Curiosamente ambos são psicólogos condecorados por economistas e praticamente desconhecidos nos cursos de Psicologia.

Mas estas análises têm contribuído para apontar as anomalias do atual paradigma científico sem apontar caminhos alternativos. Assim, se é consenso que o homem não é o homo economicus com racionalidade plena, por que se comporta da qual forma que se comporta? O que explica seu comportamento de poupar, investir, consumir, produzir?

É importante ressaltar, ainda, que não se trata de uma discussão acadêmica estéril, pois as políticas econômicas que têm sido utilizadas se baseiam nos fundamentos e dogmas que se estão sendo objeto de crítica. Um rápido exemplo que pode ser oferecido é em relação à política de juros. Se o Estado aumenta os juros básicos da economia está fornecendo um estímulo discriminativo que objetiva produzir certas respostas. Para os fornecedores a resposta esperada é a diminuição do investimento, pois o custo do crédito (empréstimos bancários) será mais alto, o que implicará também na redução da oferta do produto. Para o consumidor espera-se a resposta da redução do consumo em virtude do encarecimento do crédito (no caso das compras financiadas) e para os que têm recursos disponíveis espera-se que sejam direcionados para aplicações financeiras, pois com juros mais altos se acredita que os recursos serão direcionados para poupança e não para consumo.

Mas a resposta esperada pelo Estado nem sempre é alcançada, inclusive pelos economistas que guiam estas políticas por não compreenderem, por exemplo, que pode ocorrer competição de estímulos discriminativos. E que o comportamento não é determinado por uma única variável (o preço de aquisição, que no caso se tornou mais caro com o aumento da taxa de juros do empréstimo bancário).

Assim, por exemplo, a doutrina baseada no homem racional não consegue entender por qual razão o consumidor continua a comprar produtos mesmo após o aumento da taxa de juros [13]. Se um grande número de consumidores agir desta forma, a política econômica estatal de aumentar a taxa de juros terá sido frustrada e o comportamento almejado pelo burocratas terá ocorrido em sentido inverso.

Isto possui impacto em nossas vidas diariamente e de forma severa. Uma piada – como grande tom de verdade – explica isto ao perguntar qual é a diferença entre um médico e um economista. O homem sábio responde que quando o médico erra ele mata somente uma pessoa. O economista quando erra mata milhões!.

Para finalizar: qual conhecimento poderia nos auxiliar nesta compreensão? Se os dogmas comportamentais dos economistas forem derrubados, qual teoria utilizar para dar conta da explicação destes comportamentos? É aí que a Análise do Comportamento assume papel central.

A resposta é dada por Skinner. A Revolução Científica que deverá ocorrer na Economia deve partir da Análise do Comportamento ao compreender o comportamento econômico a partir de uma análise funcional [14]. A Revolução deve atingir, assim, o âmago das doutrinas econômicas, pois propiciará uma explicação realista e satisfatória para os comportamentos que são estudados pela Economia. Este é o desafio que está lançado aos analistas do comportamento e que ainda está para ser assumido

[1] HUNT, 2005.

[2] Como há muita confusão no uso do termo “neoliberal”, é importante que se esclareça que esta doutrina ao mesmo tempo se aproveita e rejeita postulados da Escola Clássica Inglesa (também chamada de Escola Liberal o de Liberalismo Econômico). Assim, eis alguns pontos nodais da doutrina neoliberal: funcionamento livre do mecanismo de preços; regime de livre concorrência; intervenção do Estado para corrigir distorções no funcionamento livre do mercado (ex: cartéis). (HUGON, 1995). O Estado deve ser mínimo e somente intervir em áreas consideradas prioritárias (como educação e segurança), deixando todo o resto para o mercado que segundo esta doutrina será mais eficiente em atingir os resultados almejados. Para os neoliberais, o Estado possui um papel maior e mais ativo do que para os liberais (como Smith).

[3] BARCELÓ, 1992: “Uma exposição detalhada leva a considerar que grande parte das proposições da economia teórica podem ser catalogadas como esquemas especulativos sem apoio empírico e sem suporte nas ciências vizinhas”. (p.11). Tradução livre.

[4] REYNAUD, 1967. Segundo o autor francês Pierre-Louis Reynaud - um dos pioneiros do estudo da interface Economia/Psicologia -, “como era indispensável adotar na Economia algum esquema da conduta humana, certos economistas criaram-no à revelia dos trabalhos dos psicólogos. Escolheram, dessa maneira, como assinalava o economista norte-americano John Maurice Clark, ‘os produtos de sua pura imaginação’”. (p.8).

[5] SKINNER, 2003.

[6] KUHN, 2006.



[9] http://www.sabeonline.org/. O termo utilizado por esta instituição (Behavioral Economics) não está relacionado como a utilização do aporte teórico da Análise do Comportamento. Como se explicará adiante, a maior parte das pesquisas destas instituições são experimentais e não tem associação direta com uma teoria psicológica específica.

[10] FERREIRA, 2008.

[11] BARRACHO, 2001.

[12] FERREIRA, 2008.

[13] Skinner se debruçou brevemente sobre o tema em Ciência e Comportamento Humano ao afirmar que nas compras a crédito há a questão temporal entre o comportamento e suas conseqüências. Segundo ele, “outra espécie de relação temporal é manipulada quando se permite ao cliente comprar a crédito. Comprando em prestações, as conseqüências aversivas de pagar o preço da compra são propostas e distribuídas”. SKINNER, 2003, p.431.
______________________________________________
REFERÊNCIAS.
Barceló, A (1992). Filosofia de la economia: Leyes, teorias y modelos. Barcelona: Icaria, Fuhem.
Barracho, C. (2001). Lições de Psicologia Econômica. 2.ed. Lisboa: Instituto Piaget.
Ferreira, V. R. de M. (2008). Psicologia Econômica: como o comportamento econômico influencia em nossas decisões. Rio de Janeiro: Elsevier.
Hugon, P (1995). História das Doutrinas Econômicas. 14ª ed. São Paulo: Atlas.
Hunt, E. K. (2005). História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier.
Kuhn, T. (2006). A estrutura das revoluções científicas. 9ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
Reynaud, P.L (1967). A Psicologia Econômica. São Paulo: Difusão Européia do Livro.
Skinner, B.F (2003). Ciência e Comportamento Humano. 11ª ed.São Paulo: Martins Fontes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário