Texto
escrito por Roberto Veloso (Presidente LAC-AC)
Algumas
vezes nos vemos em situações nas quais é importante que resolvamos um
determinado problema. Noutras, fica ainda mais difícil pois o problema nem
aconteceu. Nosso “problema” torna-se prevenir que algo ruim aconteça. E fica
ainda mais difícil quando aparecem situações em que não temos nenhum problema
para resolver e não vemos nem como evitar que aconteçam, mas, ainda assim, algo
pode ser feito para melhorar a situação.
O
comportamento que acontece nessas condições é provavelmente o que chamamos de
“proatividade”, ou, comportamento proativo.
É
um comportamento importante, veja bem. E na mesma medida, difícil de se
analisar. A palavra “proatividade” não nos auxilia muito em entender a que ela
se refere. Que é alguma coisa que alguém faz, não temos dúvida. Mas, não sendo
algo que se faça em qualquer contexto, é interessante descobrirmos o que
caracteriza o comportamento proativo. Quando a gente diz que uma pessoa é
proativa? Quando dizemos que não é?
O
que uma pessoa faz porque outra lhe ordenou fazer dificilmente seria
considerado proativo. Parece que esse tipo de comportamento precisaria partir
da própria pessoa, sem influência óbvia de outra. Daí a considerar que ele é
voluntário e depende do indivíduo é um pequeno passo que faríamos caso não
estivéssemos comprometidos com o Comportamentalismo Radical. Esses
comportamentos que “parecem” ser livremente emitidos ganham explicações
mentalistas quase que naturalmente numa conversa casual. Por outro lado, a
falta de especificidade com que são descritos dificulta que sejam
funcionalmente analisados. Pelo visto, nossa tarefa aqui não é das mais fáceis.
Não
consideraremos, portanto, que o comportamento proativo é independente do
contexto, ainda que assim o pareça. Talvez ele esteja relacionado a aspectos
sutis da situação no qual acontece. Uma pessoa que, diante de um determinado
problema, faz alguma coisa e encontra a solução sem que ninguém tenha lhe
ordenado fazê-lo parece exibir algum grau de proatividade. Mas esse caso talvez
não nos sirva como exemplo paradigmático.
Um
funcionário de uma empresa que, antes de determinado problema acontecer, faz
alguma coisa e o evita, parece exibir um grau de proatividade ainda maior do
que o exemplo anterior.
Mas
como pode alguém se comportar diante de algo que ainda não aconteceu sem,
necessariamente possuir poderes sobrenaturais? Agir por “intuição” talvez não
ajude muito, uma vez que parece extremamente difícil desenvolver essa
habilidade em alguém e estamos interessados numa análise da proatividade que
sirva a muitas pessoas. A não ser que por “intuição” entendamos certa
inclinação a fazer alguma coisa, provocada por dicas contextuais a respeito das
quais tenhamos pouca ou quase nenhuma consciência.
Pensar
que alguém pode tentar prevenir um problema que está prestes a acontecer, sem
que seja ordenado a fazê-lo, parece um caso mais claro de comportamento
proativo, ainda que não seja claro em termos comportamentais. Avançamos um
passo para entender como isso acontece ao sugerirmos que um problema, como uma
situação aversiva para aquele que precisa resolvê-lo, pode ser
caracteristicamente antecedido por outras situações. Essas situações
precedentes, por assim dizer, é que levam a pessoa a fazer alguma coisa pare
evitar que o problema aconteça.
Se
em situações anteriores o professor aplicou uma prova mais difícil porque algum
aluno o aborreceu com piadas constrangedoras durante suas aulas, qualquer aluno
que perceba essa relação (conscientemente ou não) e acalme o professor, pode
ter se comportado de maneira proativa. Talvez tenhamos dificuldade em concordar
que se ele não soubesse do problema, se não tivesse consciência dele, seu
comportamento não teria sido proativo. Proatividade estaria relacionada,
portanto, a identificar um problema e fazer alguma coisa para resolvê-lo sem
que seja necessário ordem de alguém, ou ainda identificar sinais de que
um problema está para acontecer e fazer alguma coisa para evitá-lo, também sem
que alguém nos obrigue a fazê-lo.
Um
terceiro caso em que parece haver algum grau de comportamento proativo é ainda
mais complicado porque não envolve um problema e nem sinais de problemas
próximos. Em contextos em que as coisas estão funcionando devidamente e alguém
faz alguma coisa para que funcionem ainda melhor, mais uma vez, sem que outra
pessoa o tenha obrigado a agir assim, parece ser o exemplo mais claro de
comportamento proativo. Da mesma forma, o caso mais difícil de analisar
funcionalmente. Começamos a compreender situações assim se conseguirmos
identificar em uma mesma situação o que levou uma determinada pessoa a propor a
melhoria na qual seu comportamento proativo foi baseado. O comportamento
criativo parece ser o centro dessa questão.
Em
todos os exemplos de situações nas quais concordaríamos que há proatividade,
uma característica se manteve constante: é imprescindível ao comportamento
proativo que não seja controlado por ordens, pedidos, imposições ou mesmo
sugestões. Isso é um problema para nossa análise na medida em que nos leva a
perguntar: se uma pessoa pudesse resolver um determinado problema sem que
tivesse de ser ordenada a fazê-lo, o que a impediria até então de resolvê-lo?
Em outros termos, se ela podia fazer isso sem precisar ser mandada, por quê não
fez?
Talvez
tenhamos chegado ao cerne da questão. Essa parece ser a característica crucial
do comportamento proativo. Mas talvez não consigamos explicá-la completamente
neste texto.
A
importância do comportamento proativo para qualquer grupo, organização e
sociedade é óbvia: quando alguém se comporta de maneira proativa, além de resolver
um problema importante para o grupo, evita o esforço que um supervisor gastaria
em pedir, mandar ou exigir que aquela pessoa fizesse aquilo.
Um
aspecto da situação que pode contribuir para nosso entendimento do que
caracteriza o comportamento proativo talvez esteja relacionada aos efeitos do
reforço operante. Um comportamento reforçado, além de ter sua frequência
aumentada, tende a ter reduzidas as variações nas respostas da mesma classe e,
além disso, outros comportamentos também têm sua frequência reduzida.
Por
exemplo, se aprendi a resolver um determinado problema de um jeito, é provável
que quando ele se repetir eu volte a resolvê-lo do mesmo jeito. Esse efeito do
reforço pode me prender a uma única forma de resolver aquele problema. Situações
assim mudam apenas quando alguma característica do problema muda e nosso jeito
antigo de resolvê-lo já não funciona mais. Mas e se, ao invés de esperar o
problema nos surpreender ao aparecer de uma forma nova, nós investigássemos um
jeito de resolvê-lo de maneira ainda mais eficiente?
Essa
parece ser a essência do comportamento proativo. Ela depende, no entanto,
de algumas condições. A primeira delas é que a pessoa proativa precisa aprender
a identificar problemas e suas soluções. Precisa também aprender a propor
soluções novas quando as antigas já não são mais eficientes (o que chamaríamos
de criatividade). Mas, o essencial, é que essa pessoa aprenda a propor soluções
ainda melhores mesmo quando as antigas soluções continuam funcionando.
Um
passo final para o desenvolvimento da proatividade, o passo que frequentemente
não é dado, é a independência do aspirante a proativo de seu instrutor. Alguém
que está aprendendo a resolver problemas e a evitar que aconteçam muitas vezes
são ensinados por alguém que exerce a função de instrutor. Quando essa classe
de comportamentos que chamamos de “resolver problemas” estiver mantida em uma
frequência alta, pode acontecer que a pessoa em questão resolva um problema sem
ter sido ordenada a fazê-lo. Se nesse caso seu comportamento for reforçado,
natural e/ou arbitrariamente, pode ser que o comportamento proativo comece a
ser fortalecido.
Temos
no mínimo mais dois desafios se quisermos promover o ensino desse tipo de
comportamento. O primeiro diz respeito ao fator “preguiça”. O segundo diz
respeito a como criar condições para que uma pessoa comece a resolver problemas
sem que seja ordenado a fazê-lo. Comecemos por este último.
Resolver
problemas é um comportamento complexo e difícil de ser aprendido, quanto mais
ensinado, a despeito de seu valor e importância para o indivíduo e sua
sociedade. Ensinar alguém a ser um bom solucionador de problemas parece uma
tarefa deveras complexa, mas suponhamos que ela seja feita e que produza bons
resultados. Teremos aí uma pessoa que é boa em resolver problemas, e que os
resolve com alguma frequência. É necessário uma outra mudança para fazer com
que essa pessoa comece a resolver problemas por conta própria. Esperar que uma
situação assim aconteça naturalmente torna tudo ainda mais difícil de
acontecer. Dizer à pessoa “agora você terá de resolver problemas sem que eu te
mande fazê-lo” parece não ser uma solução apropriada, uma vez que se a pessoa
assim o fizer, continuará sob controle de uma regra emitida por outra pessoa.
Parece
que o único jeito viável seria dispor problemas fáceis para aquela pessoa
resolver e, uma vez que ela entre em contato com tais problemas, aguardar que a
alta frequência de seu comportamento a leve a resolver mais aquele problema,
como que por hábito. Reforçar um caso desses parece ser o início de um ensino
de comportamento proativo.
O
outro problema, apelidado aqui de “fator preguiça”, é derivado de uma lei do
comportamento: se uma solução para um problema continua funcionando, e se vai
exigir esforço para que eu investigue uma forma melhor, mais eficiente, menos
dispendiosa, de fazer isso, é pouco provável que eu venha a fazê-lo se não
houver consequências imediatas, como, por exemplo, alguém que me peça para
investigar uma forma melhor de fazer alguma coisa; pedido esse que
descaracterizaria o comportamento proativo que estamos analisando.
Em
termos técnicos, em uma determinada contingência de reforço em que uma resposta
tem um custo maior para o organismo que a emite, tal resposta custosa
dificilmente será emitida, ainda que a longo prazo ela produza mais
reforçadores que a outra. Tendemos a fazer o que é mais fácil se não houver
motivos claros para escolher a opção mais difícil e, por outro lado,
consequências a longo prazo dificilmente influenciam nosso comportamento. Como
levar alguém a agir contra essas duas tendências do comportamento dos
organismos?
Primeiro,
parece necessário que o candidato a aprender a se comportar proativamente
precisa aprender a identificar as consequências a longo prazo dos comportamentos
em que ele, ou seu grupo, se engajam. E deve aprender a fazer isso
principalmente nos casos em que os comportamentos em questão já são eficientes
(o que, como já vimos, é bastante complicado). Percorrido esse trajeto é que
uma pessoa consegue estar “motivada” (um estímulo aversivo condicionado serve
aqui como motivação) a propor uma mudança no status quo. Propor essa
mudança e levá-la a cabo precisa ser feito, nessa situação, sem estar sob
comando de ninguém para que caracterizemos tal situação como um caso de
comportamento proativo, e isso envolve todas as dificuldades que já discutimos.
Em outras palavras, a proatividade aparece quando status quo começa a
incomodar.
Para finalizar, ressalto que o comportamento proativo
envolve processos complexos relacionados à situações complexas e não participou
de nenhum objetivo deste texto a tentativa de esgotar o assunto ou sugerir uma
análise definitiva do tema. Por outro lado, foi objetivo a proposta de algumas
características importantes para compreendermos esse comportamento e seu ensino
tanto quanto aprendizagem. Já considero um grande avanço se qualquer uma das
análises apresentadas aqui for útil para uma investigação mais aprofundada do
tema. No entanto, se seu sugerir que alguém se engaje em tais pesquisas
não estarei contribuindo para a proatividade de ninguém. Melhor terminar aqui.
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