LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

terça-feira, 8 de abril de 2014

Comportamento Proativo

Texto escrito por Roberto Veloso (Presidente LAC-AC)

Algumas vezes nos vemos em situações nas quais é importante que resolvamos um determinado problema. Noutras, fica ainda mais difícil pois o problema nem aconteceu. Nosso “problema” torna-se prevenir que algo ruim aconteça. E fica ainda mais difícil quando aparecem situações em que não temos nenhum problema para resolver e não vemos nem como evitar que aconteçam, mas, ainda assim, algo pode ser feito para melhorar a situação.

O comportamento que acontece nessas condições é provavelmente o que chamamos de “proatividade”, ou, comportamento proativo.

É um comportamento importante, veja bem. E na mesma medida, difícil de se analisar. A palavra “proatividade” não nos auxilia muito em entender a que ela se refere. Que é alguma coisa que alguém faz, não temos dúvida. Mas, não sendo algo que se faça em qualquer contexto, é interessante descobrirmos o que caracteriza o comportamento proativo. Quando a gente diz que uma pessoa é proativa? Quando dizemos que não é?

O que uma pessoa faz porque outra lhe ordenou fazer dificilmente seria considerado proativo. Parece que esse tipo de comportamento precisaria partir da própria pessoa, sem influência óbvia de outra. Daí a considerar que ele é voluntário e depende do indivíduo é um pequeno passo que faríamos caso não estivéssemos comprometidos com o Comportamentalismo Radical. Esses comportamentos que “parecem” ser livremente emitidos ganham explicações mentalistas quase que naturalmente numa conversa casual. Por outro lado, a falta de especificidade com que são descritos dificulta que sejam funcionalmente analisados. Pelo visto, nossa tarefa aqui não é das mais fáceis.

Não consideraremos, portanto, que o comportamento proativo é independente do contexto, ainda que assim o pareça. Talvez ele esteja relacionado a aspectos sutis da situação no qual acontece. Uma pessoa que, diante de um determinado problema, faz alguma coisa e encontra a solução sem que ninguém tenha lhe ordenado fazê-lo parece exibir algum grau de proatividade. Mas esse caso talvez não nos sirva como exemplo paradigmático.

Um funcionário de uma empresa que, antes de determinado problema acontecer, faz alguma coisa e o evita, parece exibir um grau de proatividade ainda maior do que o exemplo anterior.

Mas como pode alguém se comportar diante de algo que ainda não aconteceu sem, necessariamente possuir poderes sobrenaturais? Agir por “intuição” talvez não ajude muito, uma vez que parece extremamente difícil desenvolver essa habilidade em alguém e estamos interessados numa análise da proatividade que sirva a muitas pessoas. A não ser que por “intuição” entendamos certa inclinação a fazer alguma coisa, provocada por dicas contextuais a respeito das quais tenhamos pouca ou quase nenhuma consciência.

Pensar que alguém pode tentar prevenir um problema que está prestes a acontecer, sem que seja ordenado a fazê-lo, parece um caso mais claro de comportamento proativo, ainda que não seja claro em termos comportamentais. Avançamos um passo para entender como isso acontece ao sugerirmos que um problema, como uma situação aversiva para aquele que precisa resolvê-lo, pode ser caracteristicamente antecedido por outras situações. Essas situações precedentes, por assim dizer, é que levam a pessoa a fazer alguma coisa pare evitar que o problema aconteça.

Se em situações anteriores o professor aplicou uma prova mais difícil porque algum aluno o aborreceu com piadas constrangedoras durante suas aulas, qualquer aluno que perceba essa relação (conscientemente ou não) e acalme o professor, pode ter se comportado de maneira proativa. Talvez tenhamos dificuldade em concordar que se ele não soubesse do problema, se não tivesse consciência dele, seu comportamento não teria sido proativo. Proatividade estaria relacionada, portanto, a identificar um problema e fazer alguma coisa para resolvê-lo sem que seja necessário  ordem de alguém, ou ainda identificar sinais de que um problema está para acontecer e fazer alguma coisa para evitá-lo, também sem que alguém nos obrigue a fazê-lo.

Um terceiro caso em que parece haver algum grau de comportamento proativo é ainda mais complicado porque não envolve um problema e nem sinais de problemas próximos. Em contextos em que as coisas estão funcionando devidamente e alguém faz alguma coisa para que funcionem ainda melhor, mais uma vez, sem que outra pessoa o tenha obrigado a agir assim, parece ser o exemplo mais claro de comportamento proativo. Da mesma forma, o caso mais difícil de analisar funcionalmente. Começamos a compreender situações assim se conseguirmos identificar em uma mesma situação o que levou uma determinada pessoa a propor a melhoria na qual seu comportamento proativo foi baseado. O comportamento criativo parece ser o centro dessa questão.

Em todos os exemplos de situações nas quais concordaríamos que há proatividade, uma característica se manteve constante: é imprescindível ao comportamento proativo que não seja controlado por ordens, pedidos, imposições ou mesmo sugestões. Isso é um problema para nossa análise na medida em que nos leva a perguntar: se uma pessoa pudesse resolver um determinado problema sem que tivesse de ser ordenada a fazê-lo, o que a impediria até então de resolvê-lo? Em outros termos, se ela podia fazer isso sem precisar ser mandada, por quê não fez?

Talvez tenhamos chegado ao cerne da questão. Essa parece ser a característica crucial do comportamento proativo. Mas talvez não consigamos explicá-la completamente neste texto.

A importância do comportamento proativo para qualquer grupo, organização e sociedade é óbvia: quando alguém se comporta de maneira proativa, além de resolver um problema importante para o grupo, evita o esforço que um supervisor gastaria em pedir, mandar ou exigir que aquela pessoa fizesse aquilo.

Um aspecto da situação que pode contribuir para nosso entendimento do que caracteriza o comportamento proativo talvez esteja relacionada aos efeitos do reforço operante. Um comportamento reforçado, além de ter sua frequência aumentada, tende a ter reduzidas as variações nas respostas da mesma classe e, além disso, outros comportamentos também têm sua frequência reduzida.

Por exemplo, se aprendi a resolver um determinado problema de um jeito, é provável que quando ele se repetir eu volte a resolvê-lo do mesmo jeito. Esse efeito do reforço pode me prender a uma única forma de resolver aquele problema. Situações assim mudam apenas quando alguma característica do problema muda e nosso jeito antigo de resolvê-lo já não funciona mais. Mas e se, ao invés de esperar o problema nos surpreender ao aparecer de uma forma nova, nós investigássemos um jeito de resolvê-lo de maneira ainda mais eficiente?

Essa parece ser a essência do comportamento proativo.  Ela depende, no entanto, de algumas condições. A primeira delas é que a pessoa proativa precisa aprender a identificar problemas e suas soluções. Precisa também aprender a propor soluções novas quando as antigas já não são mais eficientes (o que chamaríamos de criatividade). Mas, o essencial, é que essa pessoa aprenda a propor soluções ainda melhores mesmo quando as antigas soluções continuam funcionando.

Um passo final para o desenvolvimento da proatividade, o passo que frequentemente não é dado, é a independência do aspirante a proativo de seu instrutor. Alguém que está aprendendo a resolver problemas e a evitar que aconteçam muitas vezes são ensinados por alguém que exerce a função de instrutor. Quando essa classe de comportamentos que chamamos de “resolver problemas” estiver mantida em uma frequência alta, pode acontecer que a pessoa em questão resolva um problema sem ter sido ordenada a fazê-lo. Se nesse caso seu comportamento for reforçado, natural e/ou arbitrariamente, pode ser que o comportamento proativo comece a ser fortalecido.

Temos no mínimo mais dois desafios se quisermos promover o ensino desse tipo de comportamento. O primeiro diz respeito ao fator “preguiça”. O segundo diz respeito a como criar condições para que uma pessoa comece a resolver problemas sem que seja ordenado a fazê-lo. Comecemos por este último.

Resolver problemas é um comportamento complexo e difícil de ser aprendido, quanto mais ensinado, a despeito de seu valor e importância para o indivíduo e sua sociedade. Ensinar alguém a ser um bom solucionador de problemas parece uma tarefa deveras complexa, mas suponhamos que ela seja feita e que produza bons resultados. Teremos aí uma pessoa que é boa em resolver problemas, e que os resolve com alguma frequência. É necessário uma outra mudança para fazer com que essa pessoa comece a resolver problemas por conta própria. Esperar que uma situação assim aconteça naturalmente torna tudo ainda mais difícil de acontecer. Dizer à pessoa “agora você terá de resolver problemas sem que eu te mande fazê-lo” parece não ser uma solução apropriada, uma vez que se a pessoa assim o fizer, continuará sob controle de uma regra emitida por outra pessoa.

Parece que o único jeito viável seria dispor problemas fáceis para aquela pessoa resolver e, uma vez que ela entre em contato com tais problemas, aguardar que a alta frequência de seu comportamento a leve a resolver mais aquele problema, como que por hábito. Reforçar um caso desses parece ser o início de um ensino de comportamento proativo.

O outro problema, apelidado aqui de “fator preguiça”, é derivado de uma lei do comportamento: se uma solução para um problema continua funcionando, e se vai exigir esforço para que eu investigue uma forma melhor, mais eficiente, menos dispendiosa, de fazer isso, é pouco provável que eu venha a fazê-lo se não houver consequências imediatas, como, por exemplo, alguém que me peça para investigar uma forma melhor de fazer alguma coisa; pedido esse que descaracterizaria o comportamento proativo que estamos analisando.

Em termos técnicos, em uma determinada contingência de reforço em que uma resposta tem um custo maior para o organismo que a emite, tal resposta custosa dificilmente será emitida, ainda que a longo prazo ela produza mais reforçadores que a outra. Tendemos a fazer o que é mais fácil se não houver motivos claros para escolher a opção mais difícil e, por outro lado, consequências a longo prazo dificilmente influenciam nosso comportamento. Como levar alguém a agir contra essas duas tendências do comportamento dos organismos?

Primeiro, parece necessário que o candidato a aprender a se comportar proativamente precisa aprender a identificar as consequências a longo prazo dos comportamentos em que ele, ou seu grupo, se engajam. E deve aprender a fazer isso principalmente nos casos em que os comportamentos em questão já são eficientes (o que, como já vimos, é bastante complicado). Percorrido esse trajeto é que uma pessoa consegue estar “motivada” (um estímulo aversivo condicionado serve aqui como motivação) a propor uma mudança no status quo. Propor essa mudança e levá-la a cabo precisa ser feito, nessa situação, sem estar sob comando de ninguém para que caracterizemos tal situação como um caso de comportamento proativo, e isso envolve todas as dificuldades que já discutimos. Em outras palavras, a proatividade aparece quando status quo começa a incomodar.


Para finalizar, ressalto que o comportamento proativo envolve processos complexos relacionados à situações complexas e não participou de nenhum objetivo deste texto a tentativa de esgotar o assunto ou sugerir uma análise definitiva do tema. Por outro lado, foi objetivo a proposta de algumas características importantes para compreendermos esse comportamento e seu ensino tanto quanto aprendizagem. Já considero um grande avanço se qualquer uma das análises apresentadas aqui for útil para uma investigação mais aprofundada do tema. No entanto, se  seu sugerir que alguém se engaje em tais pesquisas não estarei contribuindo para a proatividade de ninguém. Melhor terminar aqui.

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