Texto escrito por Roberto Veloso (UFPR , Presidente LAC-AC)
Acredito
que seja comum para os estudantes de Psicologia ouvirem no início da graduação,
ao fazer sua primeira disciplina de Análise do Comportamento, a afirmação de
que essa ciência tem por fundamento o Comportamentalismo, ou Behaviorismo,
Radical. Lembro que quando passei por essa situação, meu professor mencionou um
tal de pragmatismo, mas não se deteve nisso. Conversando com meus colegas de
outras faculdades e universidades, me parece que eles também passaram por
situações semelhantes.
E
o que é esse tal de pragmatismo?
Parece
até um easter egg colocado em algum canto de um filme no qual apenas os nerds
conseguirão encontrar e entender. Os nerds, nesse caso, são os
filósofos. Procurar na internet produz resultados rápidos, mas não informações
confiáveis. Por outro lado, não existem muitos artigos científicos disponíveis
em português, ou nas revistas brasileiras especializadas, sobre esse assunto.
Tive
que ir à fonte para encontrar uma boa resposta. Ele é brevemente mencionado no
livro do Baum, Compreender o Behaviorismo[1], no qual se
pode ler sobre um tal de William James, que transpôs a filosofia pragmatista de
Charles Pierce à epistemologia. Foi assim que cheguei à tradução do livro do
James, Pragmatismo[2]. Nele descobri que além do Pierce e do James,
outros autores como F. Canning, S. Schiller e J. Dewey também foram muito
importantes para essa doutrina filosófica. Por outro lado, também descobri que
o pragmatismo inglês o estadunidense não são exatamente a mesma coisa.
O
pragmatismo que os professores de Análise do Comportamento vez ou outra
mencionam foi aquele exposto por W. James, e que, quando aplicado ao debate
sobre se algo é verdadeiro, usa a seguinte fórmula: na prática, que diferença
faz? James reconhece que existem muitas questões e dilemas difíceis de
responder, e para os quais talvez nunca cheguemos a respostas absolutas ou
satisfatórias. O mundo é material ou espiritual? O conhecimento provém da razão
ou da experiência? Somos livres ou determinados? Como saber qual opção
representa a verdadeira resposta dessas perguntas e qual representa o engano?
O
pragmatista, nessas situações, é aquele que pergunta “qual diferença faz na
prática?”. Por exemplo, qual diferença faz, na prática, o conhecimento se
originar da atividade racional? Praticamente que diferença faz o conhecimento
se originar na experiência? Se nenhuma diferença puder ser demonstrada,
então ambas são verdadeiras. Se não houver diferença, que diferença faz?
Contudo,
o método pragmático, na prática, faz diferença. Uma de suas implicações é que
existem conhecimentos “mais verdadeiros” por assim dizer, que outros. Se, por
exemplo, estou com pressa e preciso chegar a rodoviária o mais rápido possível,
mas conheço dois caminhos, A e B, sendo que o primeiro é mais curto e o segundo
mais longo, o que conheço sobre o caminho A e sobre o caminho B é, nos dois
casos, um conhecimento verdadeiro, mas o conhecimento sobre o caminho A é “mais
verdadeiro”.
O
que não implica, necessariamente, que meu conhecimento sobre o caminho B é
errado, falso ou enganoso. Isso é um desafio para nós que estamos acostumados a
pensar em termos de “ou uma coisa é absolutamente verdadeira ou é completamente
falsa”, sem meios termos. Implica, por exemplo, dizer que um conhecimento
religioso que é menos prático em um determinado assunto, e um conhecimento
científico, que é mais prático no mesmo assunto, não é falso. Ambos são
verdadeiros nesse exemplo, mas o último é mais.
Outra
diferença prática do método pragmático é que quando começamos a pensar a
natureza da atividade científica a partir dessa perspectiva, percebemos que o
esforço dos cientistas é para produzir conhecimento cada vez mais eficiente, ou
seja, que faça cada vez mais diferença na prática. Se, por exemplo, antes
os médicos precisavam dar uma cacetada na nuca dos pacientes para deixá-los
inconscientes e assim anestesiados, hoje isso é feito com drogas que causam
menos prejuízos para as pessoas. Não que a anestesia primitiva seja falsa; só é
menos verdadeira e menos prática do que a contemporânea.
Quando
nos familiarizamos mais com o Comportamentalismo Radical, tal como foi proposto
por B. F. Skinner[3],
mais temos a chance de perceber que embora tenha sido influenciado pelo
Pragmatismo de W. James, ele não o aceitou por completo. James, por exemplo,
afirmava que a religião faz diferença na prática ao proporcionar uma filosofia
moral que trás conforto aos religiosos. Portanto, o dogma religioso tem lá sua
dose de verdade. A fundamentação filosófica da maioria das religiões contemporâneas
é dualista, como bem sabemos; algo ao qual Skinner se opôs. Há um grande salto
de uma coisa para a outra, e essa distância separa James de Skinner.
Ainda
assim, o Pragmatismo está lá no Comportamentalismo Radical. Todo o esforço dos
behavioristas radicais em combater as explicações mentalistas não é por nenhum
motivo que não a diferença prática que as explicações não-mentalistas nos
proporcionam. Explicar que um aluno não aprende porque ele é preguiçoso (uma
explicação mentalista) e explicar que ele não aprende porque está anêmico, faz
diferença na prática. Uma boa nutrição pode resolver o problema de aprendizagem
desse aluno. Mas para mudar essa característica da sua personalidade, a
preguiça, talvez tenhamos muito mais problemas.
[1] Baum, W. (2006) Compreender o behaviorismo:
comportamento, cultura e evolução. Porto Alegre: Artmed.
[2] James, W. (2005) Pragmatismo. São Paulo:
Martin Claret.
[3] Skinner, B. F.(1974/2006) Sobre o behaviorismo.
São Paulo: Cultrix.
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