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LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

sexta-feira, 21 de março de 2014

Na Prática, Que Diferença Faz?

Texto escrito por Roberto Veloso (UFPR , Presidente LAC-AC)

Acredito que seja comum para os estudantes de Psicologia ouvirem no início da graduação, ao fazer sua primeira disciplina de Análise do Comportamento, a afirmação de que essa ciência tem por fundamento o Comportamentalismo, ou Behaviorismo, Radical. Lembro que quando passei por essa situação, meu professor mencionou um tal de pragmatismo, mas não se deteve nisso. Conversando com meus colegas de outras faculdades e universidades, me parece que eles também passaram por situações semelhantes.         

E o que é esse tal de pragmatismo?

Parece até um easter egg colocado em algum canto de um filme no qual apenas os nerds conseguirão encontrar e entender. Os nerds, nesse caso, são os filósofos. Procurar na internet produz resultados rápidos, mas não informações confiáveis. Por outro lado, não existem muitos artigos científicos disponíveis em português, ou nas revistas brasileiras especializadas, sobre esse assunto.

Tive que ir à fonte para encontrar uma boa resposta. Ele é brevemente mencionado no livro do Baum, Compreender o Behaviorismo[1], no qual se pode ler sobre um tal de William James, que transpôs a filosofia pragmatista de Charles Pierce à epistemologia. Foi assim que cheguei à tradução do livro do James, Pragmatismo[2]. Nele descobri que além do Pierce e do James, outros autores como F. Canning, S. Schiller e J. Dewey também foram muito importantes para essa doutrina filosófica. Por outro lado, também descobri que o pragmatismo inglês o estadunidense não são exatamente a mesma coisa.         

O pragmatismo que os professores de Análise do Comportamento vez ou outra mencionam foi aquele exposto por W. James, e que, quando aplicado ao debate sobre se algo é verdadeiro, usa a seguinte fórmula: na prática, que diferença faz? James reconhece que existem muitas questões e dilemas difíceis de responder, e para os quais talvez nunca cheguemos a respostas absolutas ou satisfatórias. O mundo é material ou espiritual? O conhecimento provém da razão ou da experiência? Somos livres ou determinados? Como saber qual opção representa a verdadeira resposta dessas perguntas e qual representa o engano?        

O pragmatista, nessas situações, é aquele que pergunta “qual diferença faz na prática?”. Por exemplo, qual diferença faz, na prática, o conhecimento se originar da atividade racional? Praticamente que diferença faz o conhecimento se originar na experiência? Se nenhuma diferença puder ser demonstrada, então ambas são verdadeiras. Se não houver diferença, que diferença faz?

Contudo, o método pragmático, na prática, faz diferença. Uma de suas implicações é que existem conhecimentos “mais verdadeiros” por assim dizer, que outros. Se, por exemplo, estou com pressa e preciso chegar a rodoviária o mais rápido possível, mas conheço dois caminhos, A e B, sendo que o primeiro é mais curto e o segundo mais longo, o que conheço sobre o caminho A e sobre o caminho B é, nos dois casos, um conhecimento verdadeiro, mas o conhecimento sobre o caminho A é “mais verdadeiro”.

O que não implica, necessariamente, que meu conhecimento sobre o caminho B é errado, falso ou enganoso. Isso é um desafio para nós que estamos acostumados a pensar em termos de “ou uma coisa é absolutamente verdadeira ou é completamente falsa”, sem meios termos. Implica, por exemplo, dizer que um conhecimento religioso que é menos prático em um determinado assunto, e um conhecimento científico, que é mais prático no mesmo assunto, não é falso. Ambos são verdadeiros nesse exemplo, mas o último é mais.

Outra diferença prática do método pragmático é que quando começamos a pensar a natureza da atividade científica a partir dessa perspectiva, percebemos que o esforço dos cientistas é para produzir conhecimento cada vez mais eficiente, ou seja, que faça cada vez mais diferença na prática. Se, por exemplo, antes os médicos precisavam dar uma cacetada na nuca dos pacientes para deixá-los inconscientes e assim anestesiados, hoje isso é feito com drogas que causam menos prejuízos para as pessoas. Não que a anestesia primitiva seja falsa; só é menos verdadeira e menos prática do que a contemporânea.     

Quando nos familiarizamos mais com o Comportamentalismo Radical, tal como foi proposto por B. F. Skinner[3], mais temos a chance de perceber que embora tenha sido influenciado pelo Pragmatismo de W. James, ele não o aceitou por completo. James, por exemplo, afirmava que a religião faz diferença na prática ao proporcionar uma filosofia moral que trás conforto aos religiosos. Portanto, o dogma religioso tem lá sua dose de verdade. A fundamentação filosófica da maioria das religiões contemporâneas é dualista, como bem sabemos; algo ao qual Skinner se opôs. Há um grande salto de uma coisa para a outra, e essa distância separa James de Skinner.

Ainda assim, o Pragmatismo está lá no Comportamentalismo Radical. Todo o esforço dos behavioristas radicais em combater as explicações mentalistas não é por nenhum motivo que não a diferença prática que as explicações não-mentalistas nos proporcionam. Explicar que um aluno não aprende porque ele é preguiçoso (uma explicação mentalista) e explicar que ele não aprende porque está anêmico, faz diferença na prática. Uma boa nutrição pode resolver o problema de aprendizagem desse aluno. Mas para mudar essa característica da sua personalidade, a preguiça, talvez tenhamos muito mais problemas.


[1] Baum, W. (2006) Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Porto Alegre: Artmed.
[2] James, W. (2005) Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret.
[3] Skinner, B. F.(1974/2006) Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix.


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