LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

quinta-feira, 6 de março de 2014

“Passou em Psicologia? Parabéns! Vai ler muito Freud lá, hein?”


Sortudos os que não ouviram essa frase incontáveis vezes após a aprovação no vestibular. Sabe-se que não, não passaremos cinco anos lendo as obras completas do falecido Sigmund, pois a Psicologia se estendeu a outros âmbitos, com pensadores diferentíssimos que elaboraram teorias que não equivalem em nada à Psicanálise. Isso não é novo. O que surpreende é que as noções de algumas pessoas sobre determinadas teorias ainda é bastante superficial. Há, ainda, quem imagine que Análise do Comportamento é apenas mexer com ratos em caixas de Skinner, fazê-los apertar uma barra e dar-lhe água. E aqui se encerra a teoria skinneriana. Será mesmo?

A ideia de que o Behaviorismo parou em Pavlov e Watson parece não ceder facilmente entre os corredores de algumas universidades, apesar dos esforços de docentes para que essa visão não se perpetue. O famoso cão de Pavlov trouxe incalculável ajuda para seu dono? Sem sombra de dúvidas. Mas não paramos por aí.

O cachorro que salivava ao ouvir o som de uma campainha estava inserido em certo ambiente, com estímulos capazes de interferir no comportamento dele. É importante nos atentarmos a que tipo de ambiente nos circunda. O mundo não é feito apenas de estímulos que eliciarão respostas fisiológicas (também chamadas respondentes). Ao falarmos de ambiente, de como somos influenciados e influenciamos o que está ao nosso redor, tratamos também de toda a sociedade em que estamos inseridos, conjuntos de práticas culturais que perduraram – e possivelmente perdurarão – por décadas ou séculos, como as culturas sobreviveram e transmitiram determinados comportamentos adiante, entre outros aspectos. Instâncias que auxiliam nessa transmissão e manutenção de práticas e, por conseguinte, na sobrevivência das culturas são as denominadas agências de controle.

Skinner, que preconizou o Behaviorismo Radical, falou melhor das agências de controle em seu livro Ciência e Comportamento Humano, de 1953. O termo “agências de controle” pode fazer algumas pessoas pensarem em Orwell e sua distopia sobre o Grande Irmão, contudo não é essa a finalidade dessas agências. O planejamento cultural não ocorrerá de maneira ditatorial, a previsão e controle estipuladas por Skinner não equivalem às câmeras e seguranças de 1984; na verdade, essas agências atuam como instâncias insubstituíveis: governo e lei, educação, psicoterapia, religião e controle econômico.

Um ambiente social diz respeito a qualquer situação em que um indivíduo fica sob controle de respostas verbais alheias e age de acordo com elas a fim de produzir uma consequência para ele reforçadora, ou evitar que uma consequência aversiva se apresente por conta de um comportamento julgado inadequado. Séculos atrás, quando foi especificado que não era adequado, por assim dizer, roubar objetos de outrem, esse comportamento específico buscou ser mantido a partir de respostas que não se relacionassem à classe de comportamentos “roubar alguma coisa”. Apesar de haver desviantes, essa prática foi mantida ao longo do tempo por conta de estabelecimento de outros repertórios comportamentais que não faziam necessário o roubo de objetos alheios. A manutenção desse comportamento pode estar relacionada a instâncias relacionadas a determinadas agências de controle que, por uma funcionalidade questionável, auxiliam na perpetuação de determinadas práticas ao invés de extingui-las.

Denominamos “prática cultural” comportamentos que são realizados por um grupo de pessoas, como o comportamento de ir à escola ou frequentar uma igreja. Essas práticas são mantidas por conta do seu valor de sobrevivência, ou seja, o que auxilia na manutenção dessa cultura, dessa sociedade, no ambiente em que ela se encontra. Devido a práticas culturais inadequadas que muitas civilizações podem ter se extinguido ao longo da história. Obviamente, nem todas as práticas se mantêm durante toda a existência de uma sociedade, e várias práticas podem ser criadas, acidentalmente ou não, e, por sua utilidade, serem selecionadas e transmitidas às gerações seguintes, o que pode modificar, em parte, uma cultura. A designação de Skinner para esse processo é evolução cultural, ou evolução das culturas.

As agências tratadas no livro supracitado são mantenedoras de práticas culturais, algumas milenares, como no caso da religião cristã. A partir da influência dessas agências que os indivíduos se pautam para definir determinados comportamentos, porém cada repertório é único. Não podemos esperar que um cristão que estudou em certo tipo de escola tenha os mesmos comportamentos de um cristão que foi a outro tipo de escola, por exemplo. Diferentes ambientes selecionarão uma variedade diversa de comportamentos, e os indivíduos terão classes de respostas diferentes para cada situação.

As culturas de cada cidade, estado ou país serão diferentes por conta das práticas culturais selecionadas por cada uma, porém não podemos imaginar que os ambientes serão sempre conflitantes. Por conta da globalização, por exemplo, houve novos repertórios a serem desenvolvidos e selecionados em diferentes cantos do mundo, e podemos nos atrever a dizer que essa seleção de práticas poderá auxiliar na sobrevivência de diversas culturas, tendo em vista que, atualmente, não dependemos apenas da sobrevivência enquanto seres biológicos, mas, também, como seres sociais. É importante frisar, entretanto, que nem todas as práticas culturais selecionadas são, de fato, úteis e funcionais para todas as culturas, e é imprescindível que nos atentemos ao que é ou não selecionado pelos indivíduos de uma sociedade.


Skinner, B. F. (2003) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

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