LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

sexta-feira, 28 de março de 2014

Uma Revolução Científica na Economia a partir da Análise do Comportamento

Texto escrito por Rafael Rossot (Membro efetivo LAC-AC)

Em 1776 o escocês Adam Smith publicou a obra An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (conhecida abreviadamente como “Riqueza das Nações”). Para a doutrina majoritária é este marco do nascimento da Economia como ciência, considerando-se que este autor foi o primeiro a elaborar um modelo abstrato completo e coerente da estrutura e funcionamento do sistema econômico vigente [1]. Trata-se, portanto, de uma ciência jovem e que se desmembrou da Filosofia – assim como ocorreu com a Psicologia.

Assim como na Psicologia, na Economia se desenvolveram diferentes doutrinas com pressupostos filosóficos e teóricos diversos. Criaram-se Escolas que se multiplicaram. Hodiernamente pode-se mencionar, exemplificativamente e sem a pretensão de exaustão, a existência de Liberais, Marxistas, Neoclássicos, Institucionalistas, Neoinstitucionalistas, Novos-Clássicos, Keynesianos e Pós-Keynesianos.

Contudo, a diversidade de escolas é fruto predominante da história do século XX. E a hegemonia teórica da Escola a qual pertencia Smith – chamada de Escola Clássica Inglesa – persistiu com poucos arranhões até a crise de 1929. Somente após a crise é que se constata a aplicação das ideias de Keynes - que coincidiu com o desenvolvimento e apogeu do Estado de Bem-Estar Social – até aproximadamente a década de 70, quando surge com maior força a doutrina neoliberal [2].

Mas independentemente das lutas de poder entre as diferentes Escolas – e da sua aplicação no curso da História em medidas práticas de políticas econômicas-, é certo que todas elas possuem uma concepção de homem formada a partir de dogmas comportamentais.

O que denominamos como dogmas comportamentais? São pressupostos adotados pelas teorias econômicas – que depois reuniram adeptos em torno de “Escolas”-, que estabelecem pressupostos (sem qualquer submissão ao teste empírico) de como os homens se comportam.

Um destes dogmas – que será adiante explorado – é de que os homens são racionais e se comportam sempre objetivando maximizar seu consumo. E esta maximização – que consiste em obter o máximo de consumo com as restrições de orçamento de cada consumidor – é guiada pelo chamado homo economicus, ou seja, pelo dogma de que o homem é plenamente racional. Exemplo: entre produtos idênticos (A e B) com preços distintos (A custa R$1.00 e B custa R$1.20), o homem racional sempre irá comprar o produto A. O fornecedor de B terá, então, que reduzir o preço, pois ninguém comprará seu produto e se persistir neste preço entrará em falência. Os economistas não entendem por qual razão um consumidor pode comprar o produto B, mesmo conhecendo o preço do produto A.

Isto envolve Psicologia? Sim. E isto significa que os economistas estão produzindo Psicologia sem nada saber de Psicologia? Sim. E tal fato não é recente, mas congênito e presente desde a formação das primeiras doutrinas econômicas. Afinal, o objeto da Economia (gostem ou desgostem os economistas) é parte do objeto de estudo da Psicologia, ou seja, o comportamento humano!.

Ocorre que com a aquisição da autonomia acadêmica e a delimitação de objeto, os economistas se desvincularam das demais ciências ditas humanas [3].  Enclausuram-se em seus gabinetes e iniciaram a construção de modelos e leis para explicar os comportamentos-alvo (tais como: poupar, investir, produzir, trocar, distribuir e consumir) que sua recente ciência lhe apresentava como objeto [4]. Enfim: delimitaram certos comportamentos que seriam objeto de sua ciência e em relação a estes construíram dogmas.

Definições clássicas da Economia não deixam dúvidas. A mais divulgada é de que a Economia é uma ciência que estuda a produção, distribuição e consumo de bens. Enfim: e inegável que a Economia estuda comportamentos.

Metodologicamente, ainda, há um reducionismo presente na análise destes comportamentos pelo economistas. Por exemplo: ao abordar a lei da oferta e da demanda somente algumas variáveis são consideradas (como preço e quantidade). Todas as demais variáveis que poderiam explicar os comportamentos analisados (de produzir/vender de um lado e comprar/consumir de outro) são consideradas irrelevantes. Tudo o mais é considerado constante.

Para justificar isto, os economistas alegam que a única forma de explicar a realidade é simplificando-a através de modelos. Há uma expressão em latim para justificar estes modelos: ceteris paribus que significa “todo o mais mantido constante”. Ou seja: algumas variáveis são levadas em consideração e as demais são entendidas como constantes, ou seja, irrelevantes para explicar o comportamento em análise.

Esta situação não passou desapercebida de Skinner. Em Ciência e Comportamento Humano o autor afirmou que a ciência econômica se preocupa apenas com um número restrito de variáveis, da qual o comportamento dos indivíduos faz parte, porém, pondera que se fossem consideradas todas as variáveis extraeconômicas, a economia se transformaria em uma ciência do comportamento [5].

É esta a Revolução que precisa ocorrer na Economia através da Psicologia, mais precisamente a partir da Análise do Comportamento. Revolução aqui entendida pelo conceito do filósofo da ciência Thomas Kuhn: substituição total ou parcial de um paradigma científico [6]. Para Kuhn a primeira etapa consiste apontar as anomalias do atual paradigma. E depois de sua fratura propor um novo paradigma que seja aceito e adotado pela comunidade científica.

Os primeiros passos já foram trilhados, mas ainda são insuficientes. Disciplinas denominadas de Psicologia Econômica e Economia Comportamental surgiram no meio acadêmico. Jornais foram criados como o Journal of Economic Psychology [7] assim como duas associações: IAREP (International Association for Research in Economic Psycology) [8] e a SABE (Society for the Advancement of Behavioral Economics) [9].

Também já há certo consenso quanto à definição da Psicologia Econômica (que pode ser entendida como sinônimo de Economia Comportamental). Segundo a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, primeira brasileira a publicar sobre o assunto e pioneira no Brasil nestes estudos, a Psicologia Econômica pode ser definida como uma busca para compreender a experiência humana e o comportamento humano em contextos econômicos [10]. Para o autor português Carlos Barracho, a psicologia econômica trata do estudo científico das condutas econômicas, ou seja, o estudo do comportamento econômico e dos fatores que influenciam as pessoas na tomada das suas decisões” [11].

Contudo, a crítica que se pode empreender em relação a estas disciplinas é que elas não possuem um aporte teórico definido. São grandes “guarda-chuvas” delimitados apenas pelo objeto (os comportamentos humanos em contextos econômicos conforme acima exposto). É um corpo sem cérebro.

Por seu turno, as pesquisas empíricas são fechadas nelas mesmas. Ou seja: se produz psicologia experimental para compreender os comportamentos concretos (ex: poupar), mas não se desvenda quais são as variáveis que controlam este comportamento e as contingências envolvidas no contexto. É como descrever bem o efeito sem explicar a causa e sem construir relações funcionais.

De qualquer forma há boas contribuições dos pesquisadores destas novas áreas. Como uma das contribuições mais relevantes cabe citar o trabalho dos prêmios Nobel de Economia Hebert Simon (1978) por sua teoria da racionalidade limitada – que quebra o pressuposto de que o homem é um ser racional como pregam os economistas há mais de dois séculos – e de Daniel Kahneman (prêmio angariado em 2002) a respeito de escolhas econômicas dentro de contextos de racionalidade limitada [12]. Curiosamente ambos são psicólogos condecorados por economistas e praticamente desconhecidos nos cursos de Psicologia.

Mas estas análises têm contribuído para apontar as anomalias do atual paradigma científico sem apontar caminhos alternativos. Assim, se é consenso que o homem não é o homo economicus com racionalidade plena, por que se comporta da qual forma que se comporta? O que explica seu comportamento de poupar, investir, consumir, produzir?

É importante ressaltar, ainda, que não se trata de uma discussão acadêmica estéril, pois as políticas econômicas que têm sido utilizadas se baseiam nos fundamentos e dogmas que se estão sendo objeto de crítica. Um rápido exemplo que pode ser oferecido é em relação à política de juros. Se o Estado aumenta os juros básicos da economia está fornecendo um estímulo discriminativo que objetiva produzir certas respostas. Para os fornecedores a resposta esperada é a diminuição do investimento, pois o custo do crédito (empréstimos bancários) será mais alto, o que implicará também na redução da oferta do produto. Para o consumidor espera-se a resposta da redução do consumo em virtude do encarecimento do crédito (no caso das compras financiadas) e para os que têm recursos disponíveis espera-se que sejam direcionados para aplicações financeiras, pois com juros mais altos se acredita que os recursos serão direcionados para poupança e não para consumo.

Mas a resposta esperada pelo Estado nem sempre é alcançada, inclusive pelos economistas que guiam estas políticas por não compreenderem, por exemplo, que pode ocorrer competição de estímulos discriminativos. E que o comportamento não é determinado por uma única variável (o preço de aquisição, que no caso se tornou mais caro com o aumento da taxa de juros do empréstimo bancário).

Assim, por exemplo, a doutrina baseada no homem racional não consegue entender por qual razão o consumidor continua a comprar produtos mesmo após o aumento da taxa de juros [13]. Se um grande número de consumidores agir desta forma, a política econômica estatal de aumentar a taxa de juros terá sido frustrada e o comportamento almejado pelo burocratas terá ocorrido em sentido inverso.

Isto possui impacto em nossas vidas diariamente e de forma severa. Uma piada – como grande tom de verdade – explica isto ao perguntar qual é a diferença entre um médico e um economista. O homem sábio responde que quando o médico erra ele mata somente uma pessoa. O economista quando erra mata milhões!.

Para finalizar: qual conhecimento poderia nos auxiliar nesta compreensão? Se os dogmas comportamentais dos economistas forem derrubados, qual teoria utilizar para dar conta da explicação destes comportamentos? É aí que a Análise do Comportamento assume papel central.

A resposta é dada por Skinner. A Revolução Científica que deverá ocorrer na Economia deve partir da Análise do Comportamento ao compreender o comportamento econômico a partir de uma análise funcional [14]. A Revolução deve atingir, assim, o âmago das doutrinas econômicas, pois propiciará uma explicação realista e satisfatória para os comportamentos que são estudados pela Economia. Este é o desafio que está lançado aos analistas do comportamento e que ainda está para ser assumido

[1] HUNT, 2005.

[2] Como há muita confusão no uso do termo “neoliberal”, é importante que se esclareça que esta doutrina ao mesmo tempo se aproveita e rejeita postulados da Escola Clássica Inglesa (também chamada de Escola Liberal o de Liberalismo Econômico). Assim, eis alguns pontos nodais da doutrina neoliberal: funcionamento livre do mecanismo de preços; regime de livre concorrência; intervenção do Estado para corrigir distorções no funcionamento livre do mercado (ex: cartéis). (HUGON, 1995). O Estado deve ser mínimo e somente intervir em áreas consideradas prioritárias (como educação e segurança), deixando todo o resto para o mercado que segundo esta doutrina será mais eficiente em atingir os resultados almejados. Para os neoliberais, o Estado possui um papel maior e mais ativo do que para os liberais (como Smith).

[3] BARCELÓ, 1992: “Uma exposição detalhada leva a considerar que grande parte das proposições da economia teórica podem ser catalogadas como esquemas especulativos sem apoio empírico e sem suporte nas ciências vizinhas”. (p.11). Tradução livre.

[4] REYNAUD, 1967. Segundo o autor francês Pierre-Louis Reynaud - um dos pioneiros do estudo da interface Economia/Psicologia -, “como era indispensável adotar na Economia algum esquema da conduta humana, certos economistas criaram-no à revelia dos trabalhos dos psicólogos. Escolheram, dessa maneira, como assinalava o economista norte-americano John Maurice Clark, ‘os produtos de sua pura imaginação’”. (p.8).

[5] SKINNER, 2003.

[6] KUHN, 2006.



[9] http://www.sabeonline.org/. O termo utilizado por esta instituição (Behavioral Economics) não está relacionado como a utilização do aporte teórico da Análise do Comportamento. Como se explicará adiante, a maior parte das pesquisas destas instituições são experimentais e não tem associação direta com uma teoria psicológica específica.

[10] FERREIRA, 2008.

[11] BARRACHO, 2001.

[12] FERREIRA, 2008.

[13] Skinner se debruçou brevemente sobre o tema em Ciência e Comportamento Humano ao afirmar que nas compras a crédito há a questão temporal entre o comportamento e suas conseqüências. Segundo ele, “outra espécie de relação temporal é manipulada quando se permite ao cliente comprar a crédito. Comprando em prestações, as conseqüências aversivas de pagar o preço da compra são propostas e distribuídas”. SKINNER, 2003, p.431.
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REFERÊNCIAS.
Barceló, A (1992). Filosofia de la economia: Leyes, teorias y modelos. Barcelona: Icaria, Fuhem.
Barracho, C. (2001). Lições de Psicologia Econômica. 2.ed. Lisboa: Instituto Piaget.
Ferreira, V. R. de M. (2008). Psicologia Econômica: como o comportamento econômico influencia em nossas decisões. Rio de Janeiro: Elsevier.
Hugon, P (1995). História das Doutrinas Econômicas. 14ª ed. São Paulo: Atlas.
Hunt, E. K. (2005). História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier.
Kuhn, T. (2006). A estrutura das revoluções científicas. 9ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
Reynaud, P.L (1967). A Psicologia Econômica. São Paulo: Difusão Européia do Livro.
Skinner, B.F (2003). Ciência e Comportamento Humano. 11ª ed.São Paulo: Martins Fontes.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Na Prática, Que Diferença Faz?

Texto escrito por Roberto Veloso (UFPR , Presidente LAC-AC)

Acredito que seja comum para os estudantes de Psicologia ouvirem no início da graduação, ao fazer sua primeira disciplina de Análise do Comportamento, a afirmação de que essa ciência tem por fundamento o Comportamentalismo, ou Behaviorismo, Radical. Lembro que quando passei por essa situação, meu professor mencionou um tal de pragmatismo, mas não se deteve nisso. Conversando com meus colegas de outras faculdades e universidades, me parece que eles também passaram por situações semelhantes.         

E o que é esse tal de pragmatismo?

Parece até um easter egg colocado em algum canto de um filme no qual apenas os nerds conseguirão encontrar e entender. Os nerds, nesse caso, são os filósofos. Procurar na internet produz resultados rápidos, mas não informações confiáveis. Por outro lado, não existem muitos artigos científicos disponíveis em português, ou nas revistas brasileiras especializadas, sobre esse assunto.

Tive que ir à fonte para encontrar uma boa resposta. Ele é brevemente mencionado no livro do Baum, Compreender o Behaviorismo[1], no qual se pode ler sobre um tal de William James, que transpôs a filosofia pragmatista de Charles Pierce à epistemologia. Foi assim que cheguei à tradução do livro do James, Pragmatismo[2]. Nele descobri que além do Pierce e do James, outros autores como F. Canning, S. Schiller e J. Dewey também foram muito importantes para essa doutrina filosófica. Por outro lado, também descobri que o pragmatismo inglês o estadunidense não são exatamente a mesma coisa.         

O pragmatismo que os professores de Análise do Comportamento vez ou outra mencionam foi aquele exposto por W. James, e que, quando aplicado ao debate sobre se algo é verdadeiro, usa a seguinte fórmula: na prática, que diferença faz? James reconhece que existem muitas questões e dilemas difíceis de responder, e para os quais talvez nunca cheguemos a respostas absolutas ou satisfatórias. O mundo é material ou espiritual? O conhecimento provém da razão ou da experiência? Somos livres ou determinados? Como saber qual opção representa a verdadeira resposta dessas perguntas e qual representa o engano?        

O pragmatista, nessas situações, é aquele que pergunta “qual diferença faz na prática?”. Por exemplo, qual diferença faz, na prática, o conhecimento se originar da atividade racional? Praticamente que diferença faz o conhecimento se originar na experiência? Se nenhuma diferença puder ser demonstrada, então ambas são verdadeiras. Se não houver diferença, que diferença faz?

Contudo, o método pragmático, na prática, faz diferença. Uma de suas implicações é que existem conhecimentos “mais verdadeiros” por assim dizer, que outros. Se, por exemplo, estou com pressa e preciso chegar a rodoviária o mais rápido possível, mas conheço dois caminhos, A e B, sendo que o primeiro é mais curto e o segundo mais longo, o que conheço sobre o caminho A e sobre o caminho B é, nos dois casos, um conhecimento verdadeiro, mas o conhecimento sobre o caminho A é “mais verdadeiro”.

O que não implica, necessariamente, que meu conhecimento sobre o caminho B é errado, falso ou enganoso. Isso é um desafio para nós que estamos acostumados a pensar em termos de “ou uma coisa é absolutamente verdadeira ou é completamente falsa”, sem meios termos. Implica, por exemplo, dizer que um conhecimento religioso que é menos prático em um determinado assunto, e um conhecimento científico, que é mais prático no mesmo assunto, não é falso. Ambos são verdadeiros nesse exemplo, mas o último é mais.

Outra diferença prática do método pragmático é que quando começamos a pensar a natureza da atividade científica a partir dessa perspectiva, percebemos que o esforço dos cientistas é para produzir conhecimento cada vez mais eficiente, ou seja, que faça cada vez mais diferença na prática. Se, por exemplo, antes os médicos precisavam dar uma cacetada na nuca dos pacientes para deixá-los inconscientes e assim anestesiados, hoje isso é feito com drogas que causam menos prejuízos para as pessoas. Não que a anestesia primitiva seja falsa; só é menos verdadeira e menos prática do que a contemporânea.     

Quando nos familiarizamos mais com o Comportamentalismo Radical, tal como foi proposto por B. F. Skinner[3], mais temos a chance de perceber que embora tenha sido influenciado pelo Pragmatismo de W. James, ele não o aceitou por completo. James, por exemplo, afirmava que a religião faz diferença na prática ao proporcionar uma filosofia moral que trás conforto aos religiosos. Portanto, o dogma religioso tem lá sua dose de verdade. A fundamentação filosófica da maioria das religiões contemporâneas é dualista, como bem sabemos; algo ao qual Skinner se opôs. Há um grande salto de uma coisa para a outra, e essa distância separa James de Skinner.

Ainda assim, o Pragmatismo está lá no Comportamentalismo Radical. Todo o esforço dos behavioristas radicais em combater as explicações mentalistas não é por nenhum motivo que não a diferença prática que as explicações não-mentalistas nos proporcionam. Explicar que um aluno não aprende porque ele é preguiçoso (uma explicação mentalista) e explicar que ele não aprende porque está anêmico, faz diferença na prática. Uma boa nutrição pode resolver o problema de aprendizagem desse aluno. Mas para mudar essa característica da sua personalidade, a preguiça, talvez tenhamos muito mais problemas.


[1] Baum, W. (2006) Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Porto Alegre: Artmed.
[2] James, W. (2005) Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret.
[3] Skinner, B. F.(1974/2006) Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix.


sexta-feira, 14 de março de 2014

A importância dos sentimentos para o terapeuta comportamental

Texto escrito por Alisson Lepienski (Membro efetivo LAC-AC)
Quando falamos de uma intervenção comportamental, sempre lembramos dos comportamentos públicos que devemos ensinar ou modificar. Podemos ensinar alguém a ser assertivo, a utilizar habilidades sociais, a se autocontrolar, entre tantos outros comportamentos possíveis. Mas e os sentimentos e sensações, quais são suas funções numa intervenção analítico comportamental?
Na linguagem leiga, dizemos que nos comportamos de determinada maneira em decorrência de uma emoção. Brigamos porque temos raiva ou choramos porque estamos tristes. A contiguidade pode explicar, em partes, porque fazemos tal associação sem maiores questionamentos. A tristeza vem logo antes do choro, e a raiva vem logo antes da agressão. Assim, achamos que as emoções causam nossos comportamentos públicos.
Os analistas do comportamento, contudo, não compartilham dessa visão. Para eles, os sentimentos são produtos de uma relação estabelecida entre um organismo e um determinado ambiente. Usamos o termo ambiente aqui em um sentido amplo, que se refere a tudo que pode afetar o organismo (uma música, um filme, um abraço, uma interação social ou até mesmo a extrema solidão). Assim, ficamos tristes ou com raiva por causa de algo que nos aconteceu. As emoções não são a explicação de nossas respostas e sim algo a ser explicado também.
Se as emoções não são a causa inicial do comportamento, por que se preocupar com elas? Uma das respostas mais importantes para essa pergunta é a menos teórica e a mais prática: os nossos clientes se preocupam com elas, e a prestação de serviço do analista do Comportamento deve se adequar às queixas propostas a nós pela sociedade, seguindo os princípios éticos delimitados por nossa profissão. Para os clientes, as emoções são a primeira “pista” de que algo está errado, de que alguma coisa na vida deles está fora do lugar, mesmo que eles não consigam identificar o que é que lhes causa algum sofrimento. Acredito que queixas do tipo “estou me sentindo X” são muito mais comuns do que as do tipo “eu faço Y” no âmbito ambulatorial.
O que o cliente sente, por sua vez, são condições do corpo, provocadas pela relação entre o organismo e o ambiente. Os sentimentos são dicas comportamentais sobre contingências. Eles nos indicam a probabilidade de agir de determinada pessoa (“Eu estou com uma vontade imensa de tomar uma cerveja!”) ou ainda indicam as possíveis funções de estímulo de determinada situação ou pessoa (“Eu não gosto de X”, “Algo naquela pessoa parece estar errado”).
A grande questão que fica para o analista do comportamento é: quais são as contingências que fazem com que a pessoa se sinta dessa determinada maneira? E aí a habilidade de entrevistar do terapeuta é essencial! Perguntas como: “Você sempre se sente assim?”, “Começou quando?”, “Tem alguma ocasião que você não se sinta assim?” ajudam a compreender possíveis fatores que levam a pessoa a ter esses sentimentos descritos. Podemos, a partir das contingências inferidas, tentar propor modificações na vida da pessoa que, provavelmente, darão conta da queixa inicial do cliente.
Agora esgotamos toda e qualquer possibilidade de falar dos sentimentos na terapia comportamental, correto? ERRADO! Estamos esquecendo de uma pessoa importante para a terapia. Você consegue pensar em alguém? Sim, estamos falando do próprio terapeuta e de seus sentimentos. O terapeuta, como o cliente, também é um organismo sensível que é afetado pelas contingências e, consequentemente, possui emoções. Mas porque os sentimentos do terapeuta são importantes? Não é apenas a habilidade técnica dele que importa?
Voltemos a nosso argumento inicial: os sentimentos são dicas comportamentais sobre as contingências. O terapeuta está em uma contingência social com seu cliente, logo, os sentimentos que possui em relação a ele são um produto da interação de sua história de vida com o contexto atual estabelecido no setting terapêutico, o que nos faz voltar para o argumento inicial: os sentimentos do terapeuta são dicas comportamentais de como os comportamentos do cliente o afetam e, possivelmente, de como outras pessoas se sentem em relação ao comportamento do cliente.
OK, meu cliente hipotético é agressivo e me deixa com raiva e a minha cliente hipotética que só chora me deixa com desesperança. São dicas importantes para fazer minhas avaliações comportamentais, sobre o que acontece dentro e fora do consultório, comigo e com outras pessoas. Mas posso fazer algo a mais com isso?
Segundo a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), uma estratégia comportamental contemporânea, a expressão de sentimentos do terapeuta pode ser uma consequência muito importante para as respostas do cliente. Para a FAP, os sentimentos do terapeuta e modificações nas probabilidades de agir são consequências naturais do comportamento do cliente. No entanto, muitas vezes essas consequências não o afetam pois não demonstramos nossos sentimentos (ou apenas fazemos uma cara de paisagem em relação ao que o ele ou ela fez!). Se guardamos nossos sentimentos para nós mesmos, o cliente não entrará em contato com importantes consequências do seu comportamento. Segundo a FAP, o terapeuta deve expressar seus próprios sentimentos durante o processo terapêutica como uma forma de intervenção. É incrível como um simples “eu fiquei um pouco triste com o que você fez” pode afetar o terapeutizando.
Podemos ver que as emoções e os sentimentos são muito importantes na prática do analista do comportamento, sejam eles de seus clientes ou seus próprios. Assim, aconselho vocês: aumentem a frequência das respostas verbais “E como você se sentiu em relação a isso?” e “E como EU me senti em relação a isso?”. Acredito que as consequências de tais práticas, assim como a expressão de tais tatos, serão capazes de manter sua emissão, tanto na sua prática, quanto na vida cotidiana!

quinta-feira, 6 de março de 2014

“Passou em Psicologia? Parabéns! Vai ler muito Freud lá, hein?”


Sortudos os que não ouviram essa frase incontáveis vezes após a aprovação no vestibular. Sabe-se que não, não passaremos cinco anos lendo as obras completas do falecido Sigmund, pois a Psicologia se estendeu a outros âmbitos, com pensadores diferentíssimos que elaboraram teorias que não equivalem em nada à Psicanálise. Isso não é novo. O que surpreende é que as noções de algumas pessoas sobre determinadas teorias ainda é bastante superficial. Há, ainda, quem imagine que Análise do Comportamento é apenas mexer com ratos em caixas de Skinner, fazê-los apertar uma barra e dar-lhe água. E aqui se encerra a teoria skinneriana. Será mesmo?

A ideia de que o Behaviorismo parou em Pavlov e Watson parece não ceder facilmente entre os corredores de algumas universidades, apesar dos esforços de docentes para que essa visão não se perpetue. O famoso cão de Pavlov trouxe incalculável ajuda para seu dono? Sem sombra de dúvidas. Mas não paramos por aí.

O cachorro que salivava ao ouvir o som de uma campainha estava inserido em certo ambiente, com estímulos capazes de interferir no comportamento dele. É importante nos atentarmos a que tipo de ambiente nos circunda. O mundo não é feito apenas de estímulos que eliciarão respostas fisiológicas (também chamadas respondentes). Ao falarmos de ambiente, de como somos influenciados e influenciamos o que está ao nosso redor, tratamos também de toda a sociedade em que estamos inseridos, conjuntos de práticas culturais que perduraram – e possivelmente perdurarão – por décadas ou séculos, como as culturas sobreviveram e transmitiram determinados comportamentos adiante, entre outros aspectos. Instâncias que auxiliam nessa transmissão e manutenção de práticas e, por conseguinte, na sobrevivência das culturas são as denominadas agências de controle.

Skinner, que preconizou o Behaviorismo Radical, falou melhor das agências de controle em seu livro Ciência e Comportamento Humano, de 1953. O termo “agências de controle” pode fazer algumas pessoas pensarem em Orwell e sua distopia sobre o Grande Irmão, contudo não é essa a finalidade dessas agências. O planejamento cultural não ocorrerá de maneira ditatorial, a previsão e controle estipuladas por Skinner não equivalem às câmeras e seguranças de 1984; na verdade, essas agências atuam como instâncias insubstituíveis: governo e lei, educação, psicoterapia, religião e controle econômico.

Um ambiente social diz respeito a qualquer situação em que um indivíduo fica sob controle de respostas verbais alheias e age de acordo com elas a fim de produzir uma consequência para ele reforçadora, ou evitar que uma consequência aversiva se apresente por conta de um comportamento julgado inadequado. Séculos atrás, quando foi especificado que não era adequado, por assim dizer, roubar objetos de outrem, esse comportamento específico buscou ser mantido a partir de respostas que não se relacionassem à classe de comportamentos “roubar alguma coisa”. Apesar de haver desviantes, essa prática foi mantida ao longo do tempo por conta de estabelecimento de outros repertórios comportamentais que não faziam necessário o roubo de objetos alheios. A manutenção desse comportamento pode estar relacionada a instâncias relacionadas a determinadas agências de controle que, por uma funcionalidade questionável, auxiliam na perpetuação de determinadas práticas ao invés de extingui-las.

Denominamos “prática cultural” comportamentos que são realizados por um grupo de pessoas, como o comportamento de ir à escola ou frequentar uma igreja. Essas práticas são mantidas por conta do seu valor de sobrevivência, ou seja, o que auxilia na manutenção dessa cultura, dessa sociedade, no ambiente em que ela se encontra. Devido a práticas culturais inadequadas que muitas civilizações podem ter se extinguido ao longo da história. Obviamente, nem todas as práticas se mantêm durante toda a existência de uma sociedade, e várias práticas podem ser criadas, acidentalmente ou não, e, por sua utilidade, serem selecionadas e transmitidas às gerações seguintes, o que pode modificar, em parte, uma cultura. A designação de Skinner para esse processo é evolução cultural, ou evolução das culturas.

As agências tratadas no livro supracitado são mantenedoras de práticas culturais, algumas milenares, como no caso da religião cristã. A partir da influência dessas agências que os indivíduos se pautam para definir determinados comportamentos, porém cada repertório é único. Não podemos esperar que um cristão que estudou em certo tipo de escola tenha os mesmos comportamentos de um cristão que foi a outro tipo de escola, por exemplo. Diferentes ambientes selecionarão uma variedade diversa de comportamentos, e os indivíduos terão classes de respostas diferentes para cada situação.

As culturas de cada cidade, estado ou país serão diferentes por conta das práticas culturais selecionadas por cada uma, porém não podemos imaginar que os ambientes serão sempre conflitantes. Por conta da globalização, por exemplo, houve novos repertórios a serem desenvolvidos e selecionados em diferentes cantos do mundo, e podemos nos atrever a dizer que essa seleção de práticas poderá auxiliar na sobrevivência de diversas culturas, tendo em vista que, atualmente, não dependemos apenas da sobrevivência enquanto seres biológicos, mas, também, como seres sociais. É importante frisar, entretanto, que nem todas as práticas culturais selecionadas são, de fato, úteis e funcionais para todas as culturas, e é imprescindível que nos atentemos ao que é ou não selecionado pelos indivíduos de uma sociedade.


Skinner, B. F. (2003) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.