Texto escrito por Rafael Rossot (Membro efetivo LAC-AC)
Em 1776 o escocês Adam Smith publicou a obra An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (conhecida abreviadamente como “Riqueza das Nações”). Para a doutrina majoritária é este marco do nascimento da Economia como ciência, considerando-se que este autor foi o primeiro a elaborar um modelo abstrato completo e coerente da estrutura e funcionamento do sistema econômico vigente [1]. Trata-se, portanto, de uma ciência jovem e que se desmembrou da Filosofia – assim como ocorreu com a Psicologia.
Assim como
na Psicologia, na Economia se desenvolveram diferentes doutrinas com
pressupostos filosóficos e teóricos diversos. Criaram-se Escolas que se
multiplicaram. Hodiernamente pode-se mencionar, exemplificativamente e sem a
pretensão de exaustão, a existência de Liberais, Marxistas, Neoclássicos,
Institucionalistas, Neoinstitucionalistas, Novos-Clássicos, Keynesianos e
Pós-Keynesianos.
Contudo, a
diversidade de escolas é fruto predominante da história do século XX. E a
hegemonia teórica da Escola a qual pertencia Smith – chamada de Escola Clássica
Inglesa – persistiu com poucos arranhões até a crise de 1929. Somente após a
crise é que se constata a aplicação das ideias de Keynes - que coincidiu com o
desenvolvimento e apogeu do Estado de Bem-Estar Social – até aproximadamente a
década de 70, quando surge com maior força a doutrina neoliberal [2].
Mas
independentemente das lutas de poder entre as diferentes Escolas – e da sua
aplicação no curso da História em medidas práticas de políticas econômicas-, é
certo que todas elas possuem uma concepção de homem formada a partir de dogmas
comportamentais.
O que
denominamos como dogmas comportamentais? São pressupostos adotados pelas
teorias econômicas – que depois reuniram adeptos em torno de “Escolas”-, que
estabelecem pressupostos (sem qualquer submissão ao teste empírico) de como os
homens se comportam.
Um destes
dogmas – que será adiante explorado – é de que os homens são racionais e se
comportam sempre objetivando maximizar seu consumo. E esta maximização – que
consiste em obter o máximo de consumo com as restrições de orçamento de cada
consumidor – é guiada pelo chamado homo economicus, ou seja, pelo dogma
de que o homem é plenamente racional. Exemplo: entre produtos idênticos (A e B)
com preços distintos (A custa R$1.00 e B custa R$1.20), o homem racional sempre
irá comprar o produto A. O fornecedor de B terá, então, que reduzir o preço,
pois ninguém comprará seu produto e se persistir neste preço entrará em
falência. Os economistas não entendem por qual razão um consumidor pode comprar
o produto B, mesmo conhecendo o preço do produto A.
Isto envolve
Psicologia? Sim. E isto significa que os economistas estão produzindo
Psicologia sem nada saber de Psicologia? Sim. E tal fato não é recente, mas
congênito e presente desde a formação das primeiras doutrinas econômicas.
Afinal, o objeto da Economia (gostem ou desgostem os economistas) é parte do objeto
de estudo da Psicologia, ou seja, o comportamento humano!.
Ocorre que
com a aquisição da autonomia acadêmica e a delimitação de objeto, os
economistas se desvincularam das demais ciências ditas humanas [3].
Enclausuram-se em seus gabinetes e iniciaram a construção de modelos e
leis para explicar os comportamentos-alvo (tais como: poupar, investir,
produzir, trocar, distribuir e consumir) que sua recente ciência lhe
apresentava como objeto [4]. Enfim: delimitaram certos comportamentos que
seriam objeto de sua ciência e em relação a estes construíram dogmas.
Definições
clássicas da Economia não deixam dúvidas. A mais divulgada é de que a Economia
é uma ciência que estuda a produção, distribuição e consumo de bens. Enfim: e
inegável que a Economia estuda comportamentos.
Metodologicamente,
ainda, há um reducionismo presente na análise destes comportamentos pelo
economistas. Por exemplo: ao abordar a lei da oferta e da demanda somente
algumas variáveis são consideradas (como preço e quantidade). Todas as demais
variáveis que poderiam explicar os comportamentos analisados (de
produzir/vender de um lado e comprar/consumir de outro) são consideradas
irrelevantes. Tudo o mais é considerado constante.
Para
justificar isto, os economistas alegam que a única forma de explicar a
realidade é simplificando-a através de modelos. Há uma expressão em latim para
justificar estes modelos: ceteris paribus que significa “todo o mais
mantido constante”. Ou seja: algumas variáveis são levadas em consideração e as
demais são entendidas como constantes, ou seja, irrelevantes para explicar o
comportamento em análise.
Esta
situação não passou desapercebida de Skinner. Em Ciência e Comportamento
Humano o autor afirmou que a ciência econômica se preocupa apenas com um
número restrito de variáveis, da qual o comportamento dos indivíduos faz parte,
porém, pondera que se fossem consideradas todas as variáveis extraeconômicas, a
economia se transformaria em uma ciência do comportamento [5].
É esta a
Revolução que precisa ocorrer na Economia através da Psicologia, mais
precisamente a partir da Análise do Comportamento. Revolução aqui entendida
pelo conceito do filósofo da ciência Thomas Kuhn: substituição total ou parcial
de um paradigma científico [6]. Para Kuhn a primeira etapa consiste apontar as
anomalias do atual paradigma. E depois de sua fratura propor um novo paradigma
que seja aceito e adotado pela comunidade científica.
Os primeiros
passos já foram trilhados, mas ainda são insuficientes. Disciplinas denominadas
de Psicologia Econômica e Economia Comportamental surgiram no
meio acadêmico. Jornais foram criados como o Journal of
Economic Psychology [7] assim como duas associações: IAREP (International
Association for Research in Economic Psycology) [8] e a SABE (Society
for the Advancement of Behavioral Economics) [9].
Também já há
certo consenso quanto à definição da Psicologia Econômica (que pode ser
entendida como sinônimo de Economia Comportamental). Segundo a psicóloga Vera
Rita de Mello Ferreira, primeira brasileira a publicar sobre o assunto e
pioneira no Brasil nestes estudos, a Psicologia Econômica pode ser definida
como uma busca para compreender a experiência humana e o comportamento humano
em contextos econômicos [10]. Para o autor português Carlos Barracho, a
psicologia econômica trata do estudo científico das condutas econômicas, ou
seja, o estudo do comportamento econômico e dos fatores que influenciam as
pessoas na tomada das suas decisões” [11].
Contudo, a
crítica que se pode empreender em relação a estas disciplinas é que elas não
possuem um aporte teórico definido. São grandes “guarda-chuvas” delimitados
apenas pelo objeto (os comportamentos humanos em contextos econômicos conforme
acima exposto). É um corpo sem cérebro.
Por seu
turno, as pesquisas empíricas são fechadas nelas mesmas. Ou seja: se produz psicologia
experimental para compreender os comportamentos concretos (ex: poupar), mas não
se desvenda quais são as variáveis que controlam este comportamento e as
contingências envolvidas no contexto. É como descrever bem o efeito sem
explicar a causa e sem construir relações funcionais.
De qualquer
forma há boas contribuições dos pesquisadores destas novas áreas. Como uma das
contribuições mais relevantes cabe citar o trabalho dos prêmios Nobel de
Economia Hebert Simon (1978) por sua teoria da racionalidade limitada – que
quebra o pressuposto de que o homem é um ser racional como pregam os
economistas há mais de dois séculos – e de Daniel Kahneman (prêmio angariado em
2002) a respeito de escolhas econômicas dentro de contextos de racionalidade
limitada [12]. Curiosamente ambos são psicólogos condecorados por economistas e
praticamente desconhecidos nos cursos de Psicologia.
Mas estas
análises têm contribuído para apontar as anomalias do atual paradigma
científico sem apontar caminhos alternativos. Assim, se é consenso que o homem
não é o homo economicus com racionalidade plena, por que se comporta da
qual forma que se comporta? O que explica seu comportamento de poupar,
investir, consumir, produzir?
É importante
ressaltar, ainda, que não se trata de uma discussão acadêmica estéril, pois as
políticas econômicas que têm sido utilizadas se baseiam nos fundamentos e
dogmas que se estão sendo objeto de crítica. Um rápido exemplo que pode ser
oferecido é em relação à política de juros. Se o Estado aumenta os juros básicos
da economia está fornecendo um estímulo discriminativo que objetiva produzir
certas respostas. Para os fornecedores a resposta esperada é a diminuição do
investimento, pois o custo do crédito (empréstimos bancários) será mais alto, o
que implicará também na redução da oferta do produto. Para o consumidor
espera-se a resposta da redução do consumo em virtude do encarecimento do
crédito (no caso das compras financiadas) e para os que têm recursos
disponíveis espera-se que sejam direcionados para aplicações financeiras, pois
com juros mais altos se acredita que os recursos serão direcionados para
poupança e não para consumo.
Mas a
resposta esperada pelo Estado nem sempre é alcançada, inclusive pelos
economistas que guiam estas políticas por não compreenderem, por exemplo, que
pode ocorrer competição de estímulos discriminativos. E que o comportamento não
é determinado por uma única variável (o preço de aquisição, que no caso se
tornou mais caro com o aumento da taxa de juros do empréstimo bancário).
Assim, por
exemplo, a doutrina baseada no homem racional não consegue entender por qual
razão o consumidor continua a comprar produtos mesmo após o aumento da taxa de
juros [13]. Se um grande número de consumidores agir desta forma, a política
econômica estatal de aumentar a taxa de juros terá sido frustrada e o
comportamento almejado pelo burocratas terá ocorrido em sentido inverso.
Isto possui
impacto em nossas vidas diariamente e de forma severa. Uma piada – como grande
tom de verdade – explica isto ao perguntar qual é a diferença entre um médico e
um economista. O homem sábio responde que quando o médico erra ele mata somente
uma pessoa. O economista quando erra mata milhões!.
Para
finalizar: qual conhecimento poderia nos auxiliar nesta compreensão? Se os dogmas
comportamentais dos economistas forem derrubados, qual teoria utilizar para dar
conta da explicação destes comportamentos? É aí que a Análise do Comportamento
assume papel central.
A resposta é dada por
Skinner. A Revolução Científica que deverá ocorrer na Economia deve partir da
Análise do Comportamento ao compreender o comportamento econômico a partir de
uma análise funcional [14]. A Revolução deve atingir, assim, o âmago das
doutrinas econômicas, pois propiciará uma explicação realista e satisfatória
para os comportamentos que são estudados pela Economia. Este é o desafio que
está lançado aos analistas do comportamento e que ainda está para ser assumido
[1] HUNT, 2005.
[2] Como há muita confusão no uso do termo “neoliberal”, é importante que se esclareça que esta doutrina ao mesmo tempo se aproveita e rejeita postulados da Escola Clássica Inglesa (também chamada de Escola Liberal o de Liberalismo Econômico). Assim, eis alguns pontos nodais da doutrina neoliberal: funcionamento livre do mecanismo de preços; regime de livre concorrência; intervenção do Estado para corrigir distorções no funcionamento livre do mercado (ex: cartéis). (HUGON, 1995). O Estado deve ser mínimo e somente intervir em áreas consideradas prioritárias (como educação e segurança), deixando todo o resto para o mercado que segundo esta doutrina será mais eficiente em atingir os resultados almejados. Para os neoliberais, o Estado possui um papel maior e mais ativo do que para os liberais (como Smith).
[3] BARCELÓ, 1992: “Uma exposição detalhada leva a considerar que grande parte das proposições da economia teórica podem ser catalogadas como esquemas especulativos sem apoio empírico e sem suporte nas ciências vizinhas”. (p.11). Tradução livre.
[4] REYNAUD, 1967. Segundo o autor francês Pierre-Louis Reynaud - um dos pioneiros do estudo da interface Economia/Psicologia -, “como era indispensável adotar na Economia algum esquema da conduta humana, certos economistas criaram-no à revelia dos trabalhos dos psicólogos. Escolheram, dessa maneira, como assinalava o economista norte-americano John Maurice Clark, ‘os produtos de sua pura imaginação’”. (p.8).
[5] SKINNER, 2003.
[6] KUHN, 2006.
[9] http://www.sabeonline.org/. O termo utilizado por esta instituição (Behavioral Economics) não está relacionado como a utilização do aporte teórico da Análise do Comportamento. Como se explicará adiante, a maior parte das pesquisas destas instituições são experimentais e não tem associação direta com uma teoria psicológica específica.
[10] FERREIRA, 2008.
[11] BARRACHO, 2001.
[12] FERREIRA, 2008.
[13] Skinner se debruçou brevemente sobre o tema em Ciência e Comportamento Humano ao afirmar que nas compras a crédito há a questão temporal entre o comportamento e suas conseqüências. Segundo ele, “outra espécie de relação temporal é manipulada quando se permite ao cliente comprar a crédito. Comprando em prestações, as conseqüências aversivas de pagar o preço da compra são propostas e distribuídas”. SKINNER, 2003, p.431.
______________________________________________
REFERÊNCIAS.
Barceló, A (1992). Filosofia de la economia: Leyes, teorias y modelos. Barcelona: Icaria, Fuhem.
Barracho, C. (2001). Lições de Psicologia Econômica. 2.ed. Lisboa: Instituto Piaget.
Ferreira, V. R. de M. (2008). Psicologia Econômica: como o comportamento econômico influencia em nossas decisões. Rio de Janeiro: Elsevier.
Hugon, P (1995). História das Doutrinas Econômicas. 14ª ed. São Paulo: Atlas.
Hunt, E. K. (2005). História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier.
Kuhn, T. (2006). A estrutura das revoluções científicas. 9ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
Reynaud, P.L (1967). A Psicologia Econômica. São Paulo: Difusão Européia do Livro.
Skinner, B.F (2003). Ciência e Comportamento Humano. 11ª ed.São Paulo: Martins Fontes.