LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Análise do comportamento e jovens infratores: reflexões e possibilidades de mudança

(Texto escrito por Cindy Vaccari - UFPR - Secretaria LAC-AC)

Existem problemas sociais que parecem ser indissolúveis, tanto aos olhos da população quanto aos olhos dos profissionais que trabalham com as Ciências Humanas de alguma forma (categoria onde a Psicologia, minha quase-profissão, se encaixa). Na realidade, a palavra indissolúvel não define claramente o status dessas dificuldades, visto que, para cada grave problema, há um número quase infinito de “soluções”. A defesa de tais soluções pode ser feita de uma maneira que possibilite o diálogo, abrindo espaço para novas interpretações; mas também pode ser realizada passionalmente, onde pessoas que possuem certa opinião não admitem a possibilidade de que outras opiniões e diferentes soluções sejam igualmente importantes.
Quando você substitui esse problema social por “violência” e, ainda mais, “violência cometida por menores de idade”, ver um cidadão defendendo passionalmente sua opinião sobre o assunto não é incomum. A violência é algo que marca, já que nos tira da previsibilidade e nos coloca em um caminho tortuoso. Tudo o que importa para o ser humano pode ser retirado com o uso da violência – bens, família, nossa própria vida. Nada está seguro diante dessa ameaça. Assim, não surpreende que parte significativa da sociedade defenda o endurecimento das leis, a rigidez das prisões e o aumento das punições. Queremos nos sentir seguros, da maneira que for.
A violência cometida por menores de idade tornou-se o ápice dessa discussão: por determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente, menores de 18 anos (e, em alguns casos, menores do que 21 anos) não podem ser colocados nas mesmas prisões dos adultos. Quando crianças e adolescentes cometem crimes graves, são levados a Centros de Socioeducação, onde cumprem medidas socioeducativas – “penas” que não possuem a mesma formatação das destinadas aos adultos, e que por esse motivo são consideradas menos rigorosas. Esse formato de penalização faz com que a opinião comum seja a de que crianças e adolescentes que cometem crimes não recebem o que merecem (se é que entrar no sistema prisional brasileiro, extremamente falho e cruel, seja o que qualquer ser humano merece).
Mais além da discussão sobre as consequências do sistema punitivo utilizado hoje (e suas respectivas vantagens e desvantagens), podemos refletir, embasados no conhecimento da Análise do Comportamento, sobre quais são as possibilidades de ação diante dessas crianças e adolescentes. Eles são jovens inseridos em certos contextos de vida onde tiveram contato com a criminalidade. Dizer isso não é “tirar a culpa” da pessoa, colocando-a exclusivamente no ambiente; dizer isso é somente afirmar que a criminalidade era um fator importante, e que o comportamento criminoso era funcional. Dentro desses ambientes, esses jovens se comportaram em desacordo com a lei, e foram pegos, entrando no sistema das medidas socioeducativas. Eles passarão algum tempo nos Centros, e depois sairão. Cabe aqui uma pausa: os jovens estavam inseridos em um meio onde a violência era extremamente funcional. E, assim que cumprirem a medida socioeducativa estipulada, provavelmente voltarão a esse ambiente, com as mesmas pessoas e enfrentando as mesmas situações. Com isso, torna-se essencial refletir sobre como modificar o repertório comportamental desses jovens, ampliando o alcance dos fatores de proteção e ensinando novos comportamentos que sejam mais “adequados”, considerando a sociedade em que vivemos.
Uma das formas possíveis de construir ou ampliar essa rede de proteção é através do processo de psicoterapia. E, com isso, o livro de 2013, Comportamento Antissocial: Psicoterapia para adolescentes de alto risco (Giovana Veloso Munhoz da Rocha) é um sopro de ar fresco. O livro foi escrito a partir da tese de doutorado da Giovana, e trata, resumidamente, do trabalho psicoterápico de onze adolescentes que não só cumpriam medida socioeducativa, mas que também eram considerados de alta periculosidade, por terem sido os principais jovens envolvidos em uma rebelião em um Centro de Socioeducação da região metropolitana de Curitiba, onde sete adolescentes foram assassinados. Nas histórias da maioria desses jovens, existem inúmeros sinais de abandono, práticas parentais inadequadas e ambientes onde o crime é reforçador.
Ler todas essas histórias torna certos fenômenos muito claros. A solução da violência não encontra-se em medidas rasas (como o mero endurecimento das penas), pois é um comportamento que ocorre por diversas variáveis, variáveis estas que muitas vezes escapam da alçada de um único sujeito. São adolescentes que, mesmo antes de estarem em um Centro, já estavam, de certa forma, presos em suas histórias de negligência e violência. O que o livro mostra e que, na minha opinião, é a parte mais importante do trabalho da Giovana, é que é possível mudar a vida desses rapazes, mudando seus comportamentos. E a psicoterapia foi capaz, mesmo com jovens infratores (o que contraria uma opinião de senso comum), de ampliar repertórios, possibilitando novos caminhos para quando os adolescentes encontrarem-se novamente nos ambientes de onde saíram. Claro que, para tal, é necessário que o psicoterapeuta possua uma forte base de trabalho – algo que merece diversos elogios no trabalho da Giovana, que elegeu criteriosamente os comportamentos adequados e inadequados, reforçando os primeiros e extinguindo os últimos. Ter clareza sobre o trabalho a ser realizado, especialmente com esse público, por serem adolescentes e infratores, é essencial para que o profissional não se perca no processo.
Essa obra e a da Paula Gomide, Menor Infrator: A caminho de um novo tempo (1998) foram, pessoalmente, essenciais para a minha certeza de que estou no caminho certo dos meus estudos e interesse. São trabalhos que mostram que até mesmo o que parece indissolúvel possui soluções. São soluções, no plural: não há uma fórmula, uma única resposta que resolva todos os problemas da violência e que nos transforme em uma sociedade completamente segura. Existem, porém, diversas possibilidades, sendo que a base da Análise do Comportamento é, ao meu ver, parte do caminho de um futuro diferente do atual – e, a partir dessa base, deve-se abrir espaço para o diálogo, de forma que a solução não seja uma mera defesa passional de certas ideias.

Referências:
Gomide, P. (1998). Menor infrator: A caminho de um novo tempo. Curitiba: Juruá.

Rocha, G. V. M. (2013). Comportamento antissocial: psicoterapia para adolescentes infratores de alto risco. Curitiba: Juruá.

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