LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

sábado, 18 de janeiro de 2014

E eu com isso?

Texto escrito por Roberto Veloso (UFPR , Presidente LAC-AC)

Infelizmente é comum ouvir afirmações como “eu não me interesso por política”, “não vejo problema em receber troco a mais do caixa e não devolver”, “jogar bitucas de cigarro no gramado de vez em quando não tem problema algum” e ainda “não entendo por que meus pais me obrigam a estudar”. Acho uma infelicidade isso, mas compreendo quem diz esse tipo de coisa, já que consequências de longo prazo dificilmente afetam o comportamento.

Explicando melhor: praticamente tudo o que fazemos possui uma consequência, e esse princípio vale desde os comportamentos mais simples para os mais complexos. Por exemplos, se me levanto, consigo ver mais longe; se resolvo uma equação, descubro o valor da incógnita; se caminho, me aproximo ou me afasto; se choro, sinto-me aliviado; e por aí vai.

O ponto importante de se notar nesse princípio e nesses exemplos é que as consequências dos nossos comportamentos os afetam. Conseguir ver mais longe pode me levar a me levantar mais vezes; descobrir o valor da incógnita pode me levar a resolver mais equações, ou ao menos resolvê-las daquele jeito; quando alguma coisa me incomoda e eu me afasto dela caminhando, posso voltar a caminhar quando essa coisa voltar a me incomodar; posso chorar mais vezes caso isso me alivie.

Parece um princípio simples, mas os cientistas sabem que ele é deveras complexo. Por outro lado, quem não o conhecia e agora começa a analisar seu próprio comportamento e o de outras pessoas, pode se surpreender com o quanto isso é comum. Basta olhar ao seu redor para perceber esse princípio acontecendo. Basta olhar para si mesmo para vê-lo.

No entanto, com a devida licença poética, esse princípio científico também tem sua “exceção”. Consequências de longo prazo não influenciam o comportamento. Nem o nosso nem o de ninguém (nem mesmo dos animais). É que os cientistas também descobriram que quanto mais uma consequência acontece próxima do comportamento, melhor ela o afeta. Por exemplo: se a criança só queimar o dedo horas depois (em um mundo alternativo ao nosso) de colocar o dedo no fogo, será difícil aprender isso comparando com os casos em que o fogo queima imediatamente. Com essa demora, a chances dela repetir o mesmo erro são grandes e o tempo que ela leva para aprender é pequeno. Eu, por exemplo, aprendo tão melhor quanto mais rápido os professores me informam o que errei ou acertei em meus trabalhos.

Esse princípio do efeito das consequências sobre nosso comportamento, melhor dizendo, a exceção desse princípio, parece ser o cerne do motivo pelo qual a política, a ética, a sustentabilidade e a educação são tão desinteressantes para alguns e também me parece estar envolvido com as agressões que essas áreas sofrem por tantas pessoas.

Vejamos bem: se um adolescente deixa de frequentar o Ensino Médio e para de ir à escola, isso tem severas consequências, mas elas demoram tanto a acontecer que dificilmente afetarão essa sua decisão. Se sua família não apresentar consequências contiguamente a essa escolha dele, dificilmente as consequências de longo prazo o afetarão. Por outra lado, muitos estudantes se sentem perdidos sem saber para que estudam. Sentem isso porque as consequências de passar tanto tempo estudando só acontecerão tanto tempo depois e se ninguém lhes lembrar delas, esse sentimento de “estar perdido” pode se intensificar tanto que eles venham a abandonar os estudos.

A ética e a política sofrem do mesmo problema, e isso parece ainda mais acentuado no nosso país. Infelizmente é comum na nossa cultura o querer se dar bem à custa dos outros, feito que sempre exige ignorar a ética. Acredito que como as consequências disso não acontecem na hora, e o espertalhão só é punido por seus amigos e conhecidos bem depois (quando o é), dificilmente seu comportamento mudaria. Afinal de contas, as consequências de curto prazo ao enganar alguém são favoráveis para quem engana.

E quem nunca ouviu alguém dizendo que não gosta de política, que ela não faz a mínima diferença na nossa vida. Eu pergunto: existem consequências imediatas em votar em um candidato ou em outro? Existem consequências imediatas importantes em pesquisar a vida e os feitos dos candidatos? É inegável que existem consequências de longo prazo muito importantes (a nível nacional, inclusive) envolvidas, mas enquanto as consequências imediatas não forem tão importantes, dificilmente as pessoas perceberão a importância desses e de outros comportamentos políticos.

Parece repetitivo, mas a mesma coisa acontece com nossos esforços ecológicos de implementar comportamentos sustentáveis. Por que eu deveria fechar a torneira? Por que ficar menos tempo no chuveiro? Por que eu deveria jogar meu lixo na lixeira? Por que comprar mercadorias produzidas através de esforços de sustentabilidade ao invés das outras? Por que não produzir lixo atômico? As consequências desses comportamentos são, muitas vezes, bastante degradantes para nós e os outros seres vivos, mas isso só acontece a longo prazo e se não houverem multas, advertências e recomendações feitas imediatamente depois das pessoas fazerem isso, dificilmente elas perceberão os problemas desses gestos.

Não é um mistério por que as consequências de longo prazo dificilmente afetam o comportamento presente. Basta lembrarmos que o comportamento é afetado por suas consequências e que quando mais imediatas elas são, maiores seus efeitos. Eis o problema: enquanto o tempo passa e a consequência de longo prazo demora a acontecer, outros eventos acontecem e eles podem afetar o comportamento. Pensemos por exemplo, na consequência imediata de jogar o filtro do cigarro no chão: você acabou de se livrar daquele objeto inútil. Como isso acontece muito antes dos prejuízos que os filtros de cigarro acarretam no meio ambiente, então é essa consequência que passa a influenciar o comportamento, e não a outra.

Entretanto, apesar desse enorme problema que temos de lidar, não estamos completamente desamparados. As consequências a longo prazo demoram mas não falham e, quando acontecem, podem ser extremamente ruins tanto para a pessoa quanto para sua sociedade. Sendo assim, quando essas consequências acontecem, a sociedade não apenas dá um jeito de lidar com ela como também se programa para evitar que elas aconteçam novamente. Essa prevenção geralmente acontece com a sociedade inventando formas de apresentar consequências imediatas para o comportamento que produz consequências de longo prazo. É por isso que as pessoas tanto insistem que os filhos têm de estudar. É por isso que o governo sempre faz campanhas falando que a política é importante. É por isso que os ambientalistas vivem repetindo os malefícios de alguns de nossos gestos.

Tudo bem, essas podem não ser as melhores formas de influenciar tais comportamentos do restante da sociedade, mas já são um bom começo. Um estudo mais aprofundado das ciências do comportamento podem nos levar a descobrir meios mais eficientes de promover o equilíbrio com nossos ecossistemas, de mostrar a importância da educação, da política e da ética. Este próprio texto cumpre de alguma forma com essa função, e sendo assim, aproveito para deixar o apelo: vale a pena cada um de nós avaliarmos quais são as consequências de longo prazo do que fazemos. Dessa forma tenderemos evitar responder rapidamente “e eu com isso?” da próxima vez que alguém nos perguntar sobre a importância da ética, política, educação, sustentabilidade, etc.

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