Texto escrito por Roberto Veloso (UFPR , Presidente LAC-AC)
Infelizmente é comum ouvir afirmações como “eu não me
interesso por política”, “não vejo problema em receber troco a mais do caixa e
não devolver”, “jogar bitucas de cigarro no gramado de vez em quando não tem
problema algum” e ainda “não entendo por que meus pais me obrigam a estudar”.
Acho uma infelicidade isso, mas compreendo quem diz esse tipo de coisa, já que
consequências de longo prazo dificilmente afetam o comportamento.
Explicando melhor: praticamente tudo o que fazemos possui
uma consequência, e esse princípio vale desde os comportamentos mais simples
para os mais complexos. Por exemplos, se me levanto, consigo ver mais longe; se
resolvo uma equação, descubro o valor da incógnita; se caminho, me aproximo ou
me afasto; se choro, sinto-me aliviado; e por aí vai.
O ponto importante de se notar nesse princípio e nesses
exemplos é que as consequências dos nossos comportamentos os afetam. Conseguir
ver mais longe pode me levar a me levantar mais vezes; descobrir o valor da
incógnita pode me levar a resolver mais equações, ou ao menos resolvê-las
daquele jeito; quando alguma coisa me incomoda e eu me afasto dela caminhando,
posso voltar a caminhar quando essa coisa voltar a me incomodar; posso chorar
mais vezes caso isso me alivie.
Parece um princípio simples, mas os cientistas sabem que ele
é deveras complexo. Por outro lado, quem não o conhecia e agora começa a
analisar seu próprio comportamento e o de outras pessoas, pode se surpreender
com o quanto isso é comum. Basta olhar ao seu redor para perceber esse
princípio acontecendo. Basta olhar para si mesmo para vê-lo.
No entanto, com a devida licença poética, esse princípio
científico também tem sua “exceção”. Consequências de longo prazo não
influenciam o comportamento. Nem o nosso nem o de ninguém (nem mesmo dos
animais). É que os cientistas também descobriram que quanto mais uma
consequência acontece próxima do comportamento, melhor ela o afeta. Por
exemplo: se a criança só queimar o dedo horas depois (em um mundo alternativo
ao nosso) de colocar o dedo no fogo, será difícil aprender isso comparando com
os casos em que o fogo queima imediatamente. Com essa demora, a chances dela
repetir o mesmo erro são grandes e o tempo que ela leva para aprender é
pequeno. Eu, por exemplo, aprendo tão melhor quanto mais rápido os professores
me informam o que errei ou acertei em meus trabalhos.
Esse princípio do efeito das consequências sobre nosso
comportamento, melhor dizendo, a exceção desse princípio, parece ser o cerne do
motivo pelo qual a política, a ética, a sustentabilidade e a educação são tão
desinteressantes para alguns e também me parece estar envolvido com as
agressões que essas áreas sofrem por tantas pessoas.
Vejamos bem: se um adolescente deixa de frequentar o Ensino
Médio e para de ir à escola, isso tem severas consequências, mas elas demoram
tanto a acontecer que dificilmente afetarão essa sua decisão. Se sua família
não apresentar consequências contiguamente a essa escolha dele, dificilmente as
consequências de longo prazo o afetarão. Por outra lado, muitos estudantes se
sentem perdidos sem saber para que estudam. Sentem isso porque as consequências
de passar tanto tempo estudando só acontecerão tanto tempo depois e se ninguém
lhes lembrar delas, esse sentimento de “estar perdido” pode se intensificar
tanto que eles venham a abandonar os estudos.
A ética e a política sofrem do mesmo problema, e isso parece
ainda mais acentuado no nosso país. Infelizmente é comum na nossa cultura o
querer se dar bem à custa dos outros, feito que sempre exige ignorar a ética.
Acredito que como as consequências disso não acontecem na hora, e o espertalhão
só é punido por seus amigos e conhecidos bem depois (quando o é), dificilmente
seu comportamento mudaria. Afinal de contas, as consequências de curto prazo ao
enganar alguém são favoráveis para quem engana.
E quem nunca ouviu alguém dizendo que não gosta de política,
que ela não faz a mínima diferença na nossa vida. Eu pergunto: existem
consequências imediatas em votar em um candidato ou em outro? Existem
consequências imediatas importantes em pesquisar a vida e os feitos dos
candidatos? É inegável que existem consequências de longo prazo muito
importantes (a nível nacional, inclusive) envolvidas, mas enquanto as
consequências imediatas não forem tão importantes, dificilmente as pessoas
perceberão a importância desses e de outros comportamentos políticos.
Parece repetitivo, mas a mesma coisa acontece com nossos
esforços ecológicos de implementar comportamentos sustentáveis. Por que eu deveria
fechar a torneira? Por que ficar menos tempo no chuveiro? Por que eu deveria
jogar meu lixo na lixeira? Por que comprar mercadorias produzidas através de
esforços de sustentabilidade ao invés das outras? Por que não produzir lixo
atômico? As consequências desses comportamentos são, muitas vezes, bastante
degradantes para nós e os outros seres vivos, mas isso só acontece a longo
prazo e se não houverem multas, advertências e recomendações feitas
imediatamente depois das pessoas fazerem isso, dificilmente elas perceberão os
problemas desses gestos.
Não é um mistério por que as consequências de longo prazo
dificilmente afetam o comportamento presente. Basta lembrarmos que o
comportamento é afetado por suas consequências e que quando mais imediatas elas
são, maiores seus efeitos. Eis o problema: enquanto o tempo passa e a
consequência de longo prazo demora a acontecer, outros eventos acontecem e eles
podem afetar o comportamento. Pensemos por exemplo, na consequência imediata de
jogar o filtro do cigarro no chão: você acabou de se livrar daquele objeto
inútil. Como isso acontece muito antes dos prejuízos que os filtros de cigarro
acarretam no meio ambiente, então é essa consequência que passa a influenciar o
comportamento, e não a outra.
Entretanto, apesar desse enorme problema que temos de lidar,
não estamos completamente desamparados. As consequências a longo prazo demoram
mas não falham e, quando acontecem, podem ser extremamente ruins tanto para a
pessoa quanto para sua sociedade. Sendo assim, quando essas consequências
acontecem, a sociedade não apenas dá um jeito de lidar com ela como também se
programa para evitar que elas aconteçam novamente. Essa prevenção geralmente
acontece com a sociedade inventando formas de apresentar consequências
imediatas para o comportamento que produz consequências de longo prazo. É por
isso que as pessoas tanto insistem que os filhos têm de estudar. É por isso que
o governo sempre faz campanhas falando que a política é importante. É por isso
que os ambientalistas vivem repetindo os malefícios de alguns de nossos gestos.
Tudo bem, essas podem não ser as melhores formas de
influenciar tais comportamentos do restante da sociedade, mas já são um bom
começo. Um estudo mais aprofundado das ciências do comportamento podem nos
levar a descobrir meios mais eficientes de promover o equilíbrio com nossos
ecossistemas, de mostrar a importância da educação, da política e da ética.
Este próprio texto cumpre de alguma forma com essa função, e sendo assim,
aproveito para deixar o apelo: vale a pena cada um de nós avaliarmos quais são
as consequências de longo prazo do que fazemos. Dessa forma tenderemos evitar responder rapidamente “e eu com isso?” da próxima vez que
alguém nos perguntar sobre a importância da ética, política, educação,
sustentabilidade, etc.
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