por Bruno Tonet
(graduando em Psicologia pela UFPR, Diretor de Projetos da LAC-AC)
(graduando em Psicologia pela UFPR, Diretor de Projetos da LAC-AC)
e Roberto Veloso
(graduando em Psicologia pela UFPR, Presidente da
LAC-AC)
A cafeína, ou, para os mais íntimos, 1,3,7-Trimetilxantina, pode ser encontrada em chás, alguns tipos de chocolates, bebidas específicas para controle de peso ou para melhoramento do desempenho de atletas, e até mesmo em cápsulas ou remédios, além, é claro, do próprio café (semente ou bebida), aparecendo em cada uma dessas fontes em diferentes quantidades. Seu uso, de maneira geral, está associado aos seus efeitos estimulantes que produz no sistema nervoso central (SNC) e no músculo cardíaco, que trazem uma sensação de “aumento de energia”.
Mas o café (e
por assim dizer também a cafeína), não é só isso. O sabor característico, o
aroma e o modo de preparo também são aspectos importantes para quem gosta de
uma xícara de café, ou, para quem não gosta tanto assim, de um copo de chá
gelado ou de determinados refrigerantes. Isso sem falar de como os momentos em
que tomamos café também acabam se tornando de alguma maneira marcantes. O café
da manhã é uma evidência por si só a esse respeito, mas também o são o
cafezinho depois do almoço, o café da tarde e aquele cafezinho na casa do amigo
(desculpa óbvia e elemento que não pode faltar para uma visita). Não nos será
necessário entrar em detalhes histórico-econômicos para percebermos que o café
é uma bebida importante para nós, brasileiros.
Trazendo para
um cenário mais próximo da nossa vida acadêmica, geralmente usamos a cafeína,
contida em uma deliciosa xícara de café, para fazer os estudos renderem mais,
para ficarmos mais tempo acordados e conseguir cumprir as metas estabelecidas.
Ao ler isso, nos deparamos com a seguinte questão: “Então tomar uma, duas ou
três xícaras de café envolveria, em alguma medida, uma alteração no ambiente no
qual estou ou estamos nos comportando?”. Poderíamos classificar essas “xícaras
de café” do mesmo modo que classificamos uma alteração ambiental de iluminação
para ler melhor os textos, a discriminação de estímulos importantes para se
estudar uma matéria complexa, quantidade necessária de material de estudos na
mesa para suprimir os “estímulos indesejados” ou que não influenciem na
evocação do comportamento de estudar? Guardemos essas questões para logo
adiante.
Quando a cafeína
é consumida (administrada) oralmente, sofre rápida absorção no trato
gastrointestinal e leva cerca de 60 a 90 minutos para atingir seu pico
plasmático e exercer suas funções fisiológicas “máximas” (Ruxton, 2008; Lima et
al. 2010). Segundo Ruxton (2008), o impacto da cafeína no humor e no desempenho
está associado a uma inibição de receptores – adenosina e benzodiazepínico –
cuja função está relacionada a diminuição da atividade cerebral. Ou seja, ao
inibir os receptores que diminuem as atividades cerebrais com a cafeína, temos
um “aumento” da atividade nervosa. Metaforicamente, a cafeína age no cérebro
travando o freio do carro, que assim fica com dificuldades para reduzir a
velocidade. Fredholm e colaboradores (1999), acrescentam a isso que o consumo de
cafeína também causa alterações em alguns neurotransmissores, como a
noradrenalina, dopamina, serotonina, acetilcolina, glutamato e ácido
gama-aminobutirico (GABA), o que nos mostra que a interação cafeína/SNC é ainda
mais complexa.
O que acontece,
entretanto, se começarmos a analisar essas informações através dos estudos da Análise do Comportamento? Como podemos explicar os efeitos da cafeína sobre nossos comportamentos?
Em se tratando
do composto químico, podemos começar especulando que a cafeína funcionaria como
um eliciador de respostas fisiológicas que envolveriam o sistema nervoso
central e o sistema cardiovascular. Isso fica claro quando percebemos que uma
certa concentração de cafeína provoca respostas fisiológicas num organismo, ou
seja, temos uma relação idêntica à dos comportamentos respondentes. Mas é só
isso? Estaríamos limitados a explicar essas alterações comportamentais como uma
relação tão direta assim? Como explicar, por exemplo, o efeito do café que me
deixa acordado durante as madrugadas em que faço os trabalhos para entregar no
dia seguinte? Como explicar?!
Essas questões
são uma boa oportunidade para apresentarmos um assunto às vezes esquecido pelos
professores nas disciplinas introdutórias de Análise do Comportamento: as
operações motivadoras, ou, como preferimos, operações moduladoras, que são
eventos que mudam o efeito de um determinado estímulo sobre o comportamento. Um
exemplo comum é a privação de água, cujo efeito mais percebido no cotidiano é a
sede. Outros efeitos menos percebidos no cotidiano, no entanto, foram muito
estudados por analistas do comportamento, e podemos destacar alguns deles aqui.
Entendê-los pode nos ajudar a também entender a influência do café, e de outras
substâncias, no nosso comportamento.
Efeito 1: para
uma pessoa que está há muito tempo sem beber nada, a água torna-se um estímulo
importante, e qualquer comportamento que disponibilize um copo de água como
consequência tem maiores chances de ser reforçado por esse estímulo. As
operações moduladoras modificam o valor dos estímulos consequentes, aumentando
ou diminuindo seus efeitos reforçadores ou aversivos. É interessante notar
que esse efeito 1 também funciona no sentido contrário: conforme a privação de
água torna tal estímulo importante pra essa pessoa, a remoção desse estímulo
tende a ser mais aversiva para o comportamento. Isso pode parecer óbvio, mas
trata-se de um aspecto importantíssimo, já que responde à pergunta de como um
estímulo pode ser reforçador em um dado momento (quando estou com sede, por
exemplo) e deixar de ser reforçador em outro (depois que bebo bastante água).
Efeito 2: para
uma pessoa que está há muito tempo sem beber água, os comportamentos que
produziram esse estímulo, como consequência, aumentam de probabilidade. As
operações moduladoras acabam por alterar (aumentando ou diminuindo) a
probabilidade de determinadas respostas ocorrerem.É dessa forma que nos
percebemos, por exemplo, pensando em água quando estamos com sede ou até indo
procurar o bebedouro.
Efeito 3: para
uma pessoa que está há muito tempo sem beber nada, um copo de água tem uma
grande probabilidade de evocar qualquer comportamento que leve a beber aquela
água. As operações motivadoras, como se pode perceber, também modificam o
efeito dos estímulos discriminativos sobre nosso comportamento. Basta
comparar a pessoa sedenta que logo bebe um copo de água ao encontrar um pela
frente e a pessoa que já bebeu bastante e, ao ver o mesmo copo de água,
simplesmente o ignora. Em outras palavras, uma pessoa saciada de água não
precisa beber mais, pois suas necessidades fisiológicas estão em um patamar
“normal” quando comparada a uma pessoa que não bebeu água por um tempo
consideravelmente longo.
As operações
motivadoras possuem também outros efeitos interessantíssimos sobre nosso
comportamento, mas deixaremos para abordá-los noutra oportunidade. Esses três que
acabamos de ver já nos ajudam a interpretar como o café afeta nosso
comportamento.
Não parece ser
o caso de que o café exerça os efeitos 1 e 3. Em outros termos, não parece que
quando bebemos café certas coisas tornam-se mais interessantes ou aversivas,
exercendo efeitos reforçadores ou punitivos para determinados comportamentos.
Contudo, se alguém argumentar que o café nos deixa mais eufóricos e depois de
bebê-lo achamos certas tarefas menos chatas, como consequência de uma redução
dos efeitos aversivos, teremos de concordar, pois, como descrito no efeito
2, quando ingerimos o café, há um aumento da probabilidade de um
comportamento aparecer, seguido de uma redução da apresentação ou do valor que
outros comportamentos. O problema é que esse efeito não parece ser intenso
o suficiente para ficar claro numa especulação como esta.
Por outro lado,
o efeito da cafeína no SNC parece aumentar a tendência geral de nos
comportarmos (a pessoa fica animada, serelepe) e/ou diminui o efeito da fadiga
no comportamento, permitindo assim que uma determinada ação possa ser repetida
ou sustentada por um tempo maior, o que explica porque conseguimos nos
concentrar (que é um comportamento operante), ler e enfim terminar o tal do
trabalho que temos de entregar amanhã bem cedo. Esse efeito, de acordo com a
interpretação formulada aqui, aproxima-se do efeito 2 apresentado acima.
O café (mais
especificamente a cafeína) quando ingerido, então, funciona de maneira idêntica
a uma operação motivadora que altera o limiar de fadiga de um organismo. Está
explicado, portanto, como o café afeta nosso comportamento? Loooooonge disso;
muito longe mesmo! Primeiramente, não há consenso a respeito dos efeitos da
cafeína no nosso organismo. Em segundo lugar, são necessárias mais pesquisas na
área comportamental a respeito das interações dessa substância com o
comportamento, uma vez que a maiora das pesquisas focam-se em aspectos
farmacêuticos, deixado de lado processos comportamentais. Por fim, vale a pena
ressaltar que alguns efeitos do café não foram discutidos aqui (tal como não
discutimos todos os efeitos das operações motivadoras).
O que podemos
concluir, apesar dos pesares, é que embora o efeito do café pareça funcionar
semelhante a uma operação moduladora essa semelhança é enganadora já que alguns
aspectos do efeito da cafeína sobre o comportamento ficariam de fora dessa
semelhança. Tal problema nos leva diretamente à questão: são as drogas
operações moduladoras para o comportamento? Se sim, precisamos revisar esse
conceito. Se não, precisamos explicar como drogas e comportamento interagem. E
isso tudo sem recorrer à mentalismos ou outras ficções explicativas, ok?
Pensando por
outro lado, ainda que não tenhamos chegado a conclusões que respondessem
definitivamente nossas perguntas, essa consideração dos efeitos da cafeína no
comportamento mostra de certa forma como o diálogo entre neurocientistas e
analistas do comportamento pode ser produtivo para ambas as áreas do
conhecimento e que, ao contrário do que alguns pensam, ele é possível e muito
divertido.
Resistiram
algumas perguntas: por que depois de um tempo o café (e outras drogas) deixam
de fazer efeito na mesma dose? Por que nos habituamos a ele? Como isso está
relacionado ao vício? Como isso influencia o tratamento comportamental das dependências
químicas? Como é possível equilibrar os ganhos e prejuízos do uso do café no
nosso cotidiano através do conhecimento de processos comportamentais?
Deixaremos essas discussões para nossa próxima dose de cafeína com Análise do
Comportamento.
Referências:
Corchs, F. (2012).
Considerações da psicofarmacologia para a avaliação funcional. In: Clínica
analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. Em Nicodemos Batista
Borges et al. (Org.). Porto Alegre: Artmed.
Verneque, L.; Moreira,
M. B.; e Hanna, E. S. (2012). Motivação. In: Temas clássicos da
psicologia sob a ótica da análise do comportamento. Em Maria Marta Costa
Hübner, Márcio Borges Moreira (Orgs.); Edwiges Ferreira de Mattos Silvares,
Fancisco Baptista Assumpção Junior, Léia Priszkulnik (Eds.). Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2012.
de Lima, F. A.; Sant'ana
A. E. G.; Ataíde, T. R.; Omena, C. M. B.; Menezes, A. E. S.; Vasconcelos, S. M.
L. (2010). Café e saúde humana: Um enfoque nas substâncias presentes na bebida
relacionadas às doenças cardiovasculares. Revista de Nutrição, 23,
1063-1073.
Ruxton, C. H. S. (2008). The impact of caffeine on mood, cognitive function, performance and hydration: a review of benefits and risks. British Nutrition Foundation Nutrition Bulletin, 33, 15-2
Olá Bruno e Roberto, muito bem construído o texto...Show de bola.
ResponderExcluirVc conseguiram pegar um evento do cotidiano para explicar um conceito complexo da análise do comportamento...parabéns.
Vou levantar uma questão q a leitura "evocou":
Há alguma diferença entre uma O.E., q altera o valor reforçador de um estímulo, com a alteração da sensibilidade do organismo?
Em outras palavras, a cafeína não altera única e exclusivamente a sensibilidade do organismo aos estímulos do ambiente em geral, e a privação de agua altera o valor específico do reforço "agua"?
Carlos Esteves
Oi Carlos,
ExcluirFico feliz que tenha gostado do texto. Sua pergunta nos mostra que vc chegou no cerne da questão implícita no texto. Sinceramente não sei te responder. A impressão que tive ao estudar para escrevê-lo foi que estava me aproximando das fronteiras da Análise do Comportamento e a falta de respostas claras me deixou com a impressão de que trata-se de uma área que precisa ser melhor desenvolvida, claro, em parceria com os farmacologistas. Mas e vc? Qual sua hipótese a respeito?
Oi Carlos,
ExcluirAo alterar o valor específico do reforçador, no caso da água, aumenta-se também a sensibilidade do organismo a estímulos relacionados ao estímulo reforçador (água). Ou seja, aumenta a saliência do estímulo para o organismo.
Bruno Tonet
Bom dia meus caros, preciso continuar estudando, mas no momento o meu entendimento é de que substâncias como a cafeína altera o estado de sensibilidade do organismo de forma geral.
ExcluirBruno, qdo vc menciona q altera a 'sensibilidade do organismo a estímulos relacionados ao estímulo reforçador (água)' entendo q neste caso já estamos falando de comportamento operante e portanto há uma história de reforçamento para os estímulos condicionados.
Já uma substância como a cafeína ou o álcool alteram o estado de vigília (sensibilidade aumentada ou reduzida) do organismo no geral, por exemplo o jovem não somente ficará ativado para estudar como também para interagir com amigos na balada, diferentemente do caso da "privação de água"...o q vc acha?
p.s. tem um livro bom de ler q aborda o tema sobre "Processos Sensoriais", da coleção ciências do comportamento os autores são: Alper; Lawrence; Wolsk...
Abraços
Carlos Esteves