(Texto escrito por Cindy Vaccari - UFPR - Secretaria LAC-AC)
Existem problemas sociais
que parecem ser indissolúveis, tanto aos olhos da população quanto aos olhos
dos profissionais que trabalham com as Ciências Humanas de alguma forma
(categoria onde a Psicologia, minha quase-profissão, se encaixa). Na realidade,
a palavra indissolúvel não define
claramente o status dessas dificuldades, visto que, para cada grave problema,
há um número quase infinito de “soluções”. A defesa de tais soluções pode ser
feita de uma maneira que possibilite o diálogo, abrindo espaço para novas
interpretações; mas também pode ser realizada passionalmente, onde pessoas que
possuem certa opinião não admitem a possibilidade de que outras opiniões e diferentes
soluções sejam igualmente importantes.
Quando você substitui esse
problema social por “violência” e, ainda mais, “violência cometida por menores
de idade”, ver um cidadão defendendo passionalmente sua opinião sobre o assunto
não é incomum. A violência é algo que marca, já que nos tira da previsibilidade
e nos coloca em um caminho tortuoso. Tudo o que importa para o ser humano pode
ser retirado com o uso da violência – bens, família, nossa própria vida. Nada
está seguro diante dessa ameaça. Assim, não surpreende que parte significativa
da sociedade defenda o endurecimento das leis, a rigidez das prisões e o
aumento das punições. Queremos nos sentir seguros, da maneira que for.
A violência cometida por
menores de idade tornou-se o ápice dessa discussão: por determinação do
Estatuto da Criança e do Adolescente, menores de 18 anos (e, em alguns casos,
menores do que 21 anos) não podem ser colocados nas mesmas prisões dos adultos.
Quando crianças e adolescentes cometem crimes graves, são levados a Centros de
Socioeducação, onde cumprem medidas socioeducativas – “penas” que não possuem a
mesma formatação das destinadas aos adultos, e que por esse motivo são
consideradas menos rigorosas. Esse formato de penalização faz com que a opinião
comum seja a de que crianças e adolescentes que cometem crimes não recebem o
que merecem (se é que entrar no sistema prisional brasileiro, extremamente
falho e cruel, seja o que qualquer ser humano merece).
Mais além da discussão
sobre as consequências do sistema punitivo utilizado hoje (e suas respectivas
vantagens e desvantagens), podemos refletir, embasados no conhecimento da
Análise do Comportamento, sobre quais são as possibilidades de ação diante dessas
crianças e adolescentes. Eles são jovens inseridos em certos contextos de vida
onde tiveram contato com a criminalidade. Dizer isso não é “tirar a culpa” da pessoa,
colocando-a exclusivamente no ambiente; dizer isso é somente afirmar que a
criminalidade era um fator importante, e que o comportamento criminoso era
funcional. Dentro desses ambientes, esses jovens se comportaram em desacordo
com a lei, e foram pegos, entrando no sistema das medidas socioeducativas. Eles
passarão algum tempo nos Centros, e depois sairão. Cabe aqui uma pausa: os jovens
estavam inseridos em um meio onde a violência era extremamente funcional. E, assim
que cumprirem a medida socioeducativa estipulada, provavelmente voltarão a esse
ambiente, com as mesmas pessoas e enfrentando as mesmas situações. Com isso,
torna-se essencial refletir sobre como modificar o repertório comportamental
desses jovens, ampliando o alcance dos fatores de proteção e ensinando novos
comportamentos que sejam mais “adequados”, considerando a sociedade em que
vivemos.
Uma das formas possíveis
de construir ou ampliar essa rede de proteção é através do processo de
psicoterapia. E, com isso, o livro de 2013, Comportamento
Antissocial: Psicoterapia para adolescentes de alto risco (Giovana Veloso
Munhoz da Rocha) é um sopro de ar fresco. O livro foi escrito a partir da tese
de doutorado da Giovana, e trata, resumidamente, do trabalho psicoterápico de
onze adolescentes que não só cumpriam medida socioeducativa, mas que também
eram considerados de alta periculosidade, por terem sido os principais jovens envolvidos
em uma rebelião em um Centro de Socioeducação da região metropolitana de Curitiba, onde sete adolescentes
foram assassinados. Nas histórias da maioria desses jovens, existem inúmeros
sinais de abandono, práticas parentais inadequadas e ambientes onde o crime é
reforçador.
Ler todas essas histórias
torna certos fenômenos muito claros. A solução da violência não encontra-se em
medidas rasas (como o mero endurecimento das penas), pois é um comportamento
que ocorre por diversas variáveis, variáveis estas que muitas vezes escapam da
alçada de um único sujeito. São adolescentes que, mesmo antes de estarem em um
Centro, já estavam, de certa forma, presos em suas histórias de negligência e
violência. O que o livro mostra e que, na minha opinião, é a parte mais
importante do trabalho da Giovana, é que é possível mudar a vida desses rapazes, mudando seus comportamentos.
E a psicoterapia foi capaz, mesmo com
jovens infratores (o que contraria uma opinião de senso comum), de ampliar
repertórios, possibilitando novos caminhos para quando os adolescentes
encontrarem-se novamente nos ambientes de onde saíram. Claro que, para tal, é
necessário que o psicoterapeuta possua uma forte base de trabalho – algo que
merece diversos elogios no trabalho da Giovana, que elegeu criteriosamente os
comportamentos adequados e inadequados, reforçando os primeiros e extinguindo
os últimos. Ter clareza sobre o trabalho a ser realizado, especialmente com
esse público, por serem adolescentes e infratores, é essencial para que o
profissional não se perca no processo.
Essa obra e a da Paula
Gomide, Menor Infrator: A caminho de um
novo tempo (1998) foram, pessoalmente, essenciais para a minha certeza de
que estou no caminho certo dos meus estudos e interesse. São trabalhos que
mostram que até mesmo o que parece indissolúvel possui soluções. São soluções, no plural: não há uma fórmula,
uma única resposta que resolva todos os problemas da violência e que nos
transforme em uma sociedade completamente segura. Existem, porém, diversas
possibilidades, sendo que a base da Análise do Comportamento é, ao meu ver, parte do caminho de um futuro diferente do atual – e, a partir dessa base,
deve-se abrir espaço para o diálogo, de forma que a solução não seja uma mera
defesa passional de certas ideias.
Referências:
Gomide, P. (1998). Menor infrator: A caminho de um novo tempo. Curitiba:
Juruá.
Rocha, G. V. M. (2013). Comportamento antissocial: psicoterapia para
adolescentes infratores de alto risco. Curitiba: Juruá.