(Texto escrito por Marjorie Wanderley - Assessoria de Comunicação LAC-AC)
Semana passada eu realizei um curso de Psicologia Hospitalar em um
hospital infantil e frequentemente, durante as aulas teóricas, os professores
falavam algo do tipo “Eu uso a classificação de fases do desenvolvimento X,
mas você tem que usar a que está de acordo com a sua abordagem teórica”... E aí
ficava fácil para quem utilizava a Psicanálise classificar as fases do
desenvolvimento, para quem se baseava em Piaget ou Vigotski... Mas, e nós? Como
podemos falar de fases do desenvolvimento infantil de modo que fique congruente
com nossos princípios filosóficos?
Bom, como uma típica aluna de graduação desesperada, corri pedir ajuda
por e-mail, e quem me deu uma luz foi a professora Ana Paula Viezzer, da UFPR,
que recomendou a leitura de um capítulo excelente que pode nos ajudar a
compreender e conversar sobre o assunto... Partindo do princípio de que essa
pode ser a dificuldade de alguns de vocês também, vou aproveitar o texto da
semana para falar um pouquinho sobre isso, partindo do capítulo que foi
recomendado, ‘Uma abordagem analítico-comportamental do desenvolvimento’ de
Laercia Abreu Vasconcelos.
Para começar, acontece que eu estava certa em ficar confusa. De fato, a
Análise do Comportamento não trabalha com categorização de fases para o
desenvolvimento infantil, então nós nunca iremos dizer “pelo o que eu observei,
essa criança está na fase de desenvolvimento X, mas de acordo com sua
idade, deveria estar na fase Y”. Vamos entender o porquê.
Voltando aos princípios da aprendizagem, fica fácil entender o
conceito de desenvolvimento para a Análise do Comportamento – ele é explicado a
partir de mudanças nas interações entre o indivíduo e o ambiente. Essas
interações são bidirecionais – a ação do organismo altera aspectos do ambiente,
e estes retroagem sobre o organismo. Esse processo de desenvolvimento não é
entendido como unidirecional, ou seja, as crianças não sobem todas numa
escadinha levando a uma única direção – inclusive essa é uma das críticas de
Vasconcelos (2010), de que os manuais de Psicologia do Desenvolvimento
focalizavam uma visão linear, fragmentada e descontextualizada. Pelo contrário,
o desenvolvimento se dá pela história ambiental e é único, pertencente a um indivíduo
- sendo assim, fica realmente difícil falarmos de fases do desenvolvimento
comuns a todas as crianças, né?
Esse desenvolvimento, ainda, está sujeito à ação dos três níveis de
seleção – filogenético, ontogenético e cultural. Esses três níveis estão
sobrepostos e possuem uma grande complexidade, e por isso é tão difícil
distinguir o que do desenvolvimento é inato, o que foi adquirido pela história
de vida e o que foi instaurado pela cultura. A Análise do Comportamento não
defende explicações puramente ambientais ou puramente genéticas, considerando
que uma está continuamente sob influência da outra – embora o enfoque seja nas
contingências, as bases biológicas do comportamento são utilizadas como
complemento a qualquer análise.
Considerando que cada indivíduo é único em sua fisiologia, sua história
de reforço e a cultura na qual está inserido, o desenvolvimento deve ser
estudado a partir dos efeitos de cada variável ambiental sobre o comportamento
de um indivíduo, utilizando o método de estudo das relações funcionais de
delineamento experimental do sujeito como seu próprio controle. Sendo assim,
para a Análise do Comportamento, o conceito de desenvolvimento não requer a
formulação de uma teoria do desenvolvimento.
No entanto, isso não quer dizer que a nossa abordagem ignore o
desenvolvimento infantil – o analista do comportamento também se dedica a
investigar os processos relacionados aos padrões comportamentais, aquisição e
manutenção de comportamentos e os estados estáveis de transição, e isso é feito
justamente partindo do modelo de aprendizagem operante. Esse modelo é
suficiente no sentido de, através da análise funcional, fornecer uma base
teórica e metodológica para identificar mudanças comportamentais que compõem o
desenvolvimento, indicando inclusive variáveis ambientais que possam gerar
previsões e controle sobre padrões de comportamentos.
O método, portanto, seria o de avaliação funcional, enriquecido a partir
da observação sistemática, que se dá por meio da descrição objetiva de
comportamentos feita por observadores treinados. Essa observação fornece
informações relevantes sobre a função de um comportamento em um determinado
contexto. Além da análise funcional, os analistas do comportamento podem
apoiar-se em dois conceitos para estudar o desenvolvimento – o primeiro deles é
o de metacontingências, que são relações funcionais entre classes de operantes,
nas quais o comportamento de um indivíduo pode ser uma ocasião ou uma
consequência para o comportamento de outro indivíduo - por exemplo, as práticas
culturais, que são compostas de comportamentos entrelaçados. Nesse sentido
ressalta-se a importância de unidades sociais mais amplas, como família, escola
e Estado no desenvolvimento infantil.
O segundo é o conceito de behavioral cusp (algo como ápice
comportamental ou cunha comportamental), criado por Rosales-Ruiz e Baer (1997),
que permite organizar o processo de desenvolvimento a partir do estudo de
mudanças singulares na interação organismo-ambiente que ampliam o repertório
comportamental do indivíduo – ou seja, alguns comportamentos ou contingências
criam novos comportamentos, que interagem com novas contingências. O modo como
isso acontece é uma mudança comportamental expondo o repertório do indivíduo a
novos ambientes, especialmente a novos reforçadores e punidores. Um exemplo é o
comportamento de engatinhar, que pode ser considerado uma cunha
comportamental, no sentido de que possibilita a inserção do indivíduo em um
novo contexto e em novas atividades, proporcionando o desenvolvimento diante de
novas exigências. O desenvolvimento poderia ser avaliado a partir dessas etapas
- comportamentos já presentes no repertório daquela criança, geradores de novos
contextos que possibilitam outros comportamentos.
Skinner escreveu especificamente sobre o desenvolvimento, dizendo que se
uma criança não se comporta mais como no ano anterior não é porque houve um
desenvolvimento de sua mente, como dizia Piaget, ou de sua personalidade, como
em Freud, mas sim porque justamente se comporta de modo diferente, não
só porque cresceu, mas porque teve tempo de adquirir um repertório bem mais
amplo através da exposição a novas contingências (Skinner, 1974/1993, p.60).
Portanto, tratar do desenvolvimento significa analisar a aquisição de
comportamentos e modificações em repertórios comportamentais ligados à
interação do indivíduo com seu ambiente social e com ele mesmo (Alvarenga,
2006). Nesse sentido, fica difícil também falarmos de um déficit ou atraso no
desenvolvimento utilizando manuais diagnósticos universais, já que o
desenvolvimento é único. Essa dificuldade é ampliada a qualquer tipo de
diagnóstico mental, na verdade (mais informações sobre psicopatologia na
Análise do Comportamento, em Gongora (2003).
Sendo assim, o desenvolvimento é estudado pela Análise do Comportamento
como um conjunto de interações organismo-ambiente e é dado de forma individual,
de acordo com a história filogenética, ontogenética e cultural, não sendo,
portanto, enquadrado em fases normativas. Embora seja um processo extremamente
complexo e influenciado por diversas variáveis, é possível estudá-lo através de
análises funcionais, enquadrando aquele indivíduo no que seria esperado de
acordo com a previsão de padrões de comportamentos esperados para seu
repertório comportamental. Ao meu ver, o fato de não nos basearmos em um manual
comparativo de fases do desenvolvimento só ressalta a importância de nós,
enquanto profissionais, termos uma base filosófica e teórica extremamente
sólida, que esteja apoiando todas as nossas análises e intervenções, para
que possamos entender o desenvolvimento de uma criança de acordo com seu
próprio repertório e no contexto na qual está inserida.
Referências
ALVARENGA, P. O desenvolvimento sócio-emocional nos primeiros anos de
vida e as contingências em operação na interação pais-criança. In: Guilhardi,
H. J. & Aguirre, N. C. de (Orgs.). (2006). Sobre comportamento e cognição:
Vol. 18. Expondo a variabilidade. Santo André: Esetec.
GONGORRA, M.A.N (2003). Noção de psicopatologia em Análise do
Comportamento. Em: Primeiros Passos em Análise do Comportamento e cognição.
Costa, C.E, Luzia, J.C e Sant’ana, H.H.N Org.São Paulo: Esetec.
ROSALES-RUIZ, J.; BAER, D. M. Behavioral Cusps: A developmental and
pragmatic concept for Behavior Analysis. Journal of Applied Behavior Analysis,
v. 30, p. 533-544,1997.
SKINNER, B. F. (1993). Sobre o behaviorismo.
(M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix.
(Original publicado em 1974)
VASCONCELOS, Laercia Abreu ; NAVES, Ana Rita C Xavier; ÀVILA, Raquel
Ramos . Uma abordagem analítico-comportamental do desenvolvimento. In: Emmanuel
Zagury Tourinho e Sérgio Luna. (Org.). Investigações Históricas, Conceituais e
Aplicadas em Análise do Comportamento. 1ed.São Paulo: Roca, 2010, v. 1, p.
125-151.
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