(Texto escrito por Rafaela Domingues - Membro LAC-AC)
A famosa frase
de Hamlet, personagem da peça de Shakespeare, “A trágica história de Hamlet, o
príncipe de Dinamarca”, demonstra o que muitas vezes acontece quando não
sabemos dar explicação a algo ocorrido em nossas vidas: atribuímos o fato a
algo fora da compreensão humana. Na peça, Hamlet recebe visitas do fantasma de
seu falecido pai, e em um dos trechos da obra, a personagem diz a Horácio, numa
tentativa de convencê-lo a fazer um juramento ao espectro de seu pai, que entre
o céu e a terra havia muitos mistérios. Bem, em nosso cotidiano é fácil
encontrar momentos em que, muitas vezes, classificamos como misterioso aquilo
que consideramos sem explicação. Um bom exemplo são os comportamentos
supersticiosos, que no senso comum possui caráter metafísico.
Quem nunca
teve uma camiseta da sorte, que sempre ao usar, o amado time de futebol ganha a
partida ou já teve receio de cruzar com gato preto na rua, passar por baixo de
uma escada, alegando dar azar? Ainda, quem nunca espantou visita colocando uma
vassoura atrás da porta? São vários os exemplos e a análise do comportamento
tem uma explicação para isso.
Antes de falar
sobre comportamento supersticioso é preciso diferenciar alguns conceitos:
contingência e contiguidade temporal. Contingência possui vários significados,
nos dicionários aparece como algo que pode ou não suceder, incerto. Na análise
do comportamento a definição de contingência é complexa. De acordo com Skinner
(1953;1969), (citado por Souza, 2000, p. 126), “em sentido geral, contingência
pode significar qualquer relação de dependência entre eventos ambientais ou
entre eventos comportamentais e ambientais”. Por exemplo, ao pegarmos uma
garrafa de água e girarmos a tampa, vamos abri-la. Um meio para identificar uma
contingência é utilizar o enunciado SE..., ENTÃO.... Segundo Todorov (1989, p.
354, citado por Souza, 2000), a cláusula “se” pode especificar algum aspecto do
comportamento ou do ambiente e a cláusula “então” especifica o evento ambiental
consequente. Sendo assim, voltando ao exemplo, SE girarmos a tampa da garrafa,
ENTÃO vamos abri-la. Neste caso deve haver uma relação de dependência entre
girar a tampa da garrafa e abri-la.
Diferentemente,
a contiguidade temporal (denominada contingência acidental, por Skinner) se
constitui apenas por justaposição de eventos no tempo, sem levar em
consideração a relação de causa. Em outras palavras, dois eventos ocorrem, como
por exemplo, uma pessoa desce do ônibus e começa a chover, mas não há nenhuma
relação de causalidade, há, apenas, uma mera proximidade temporal, um evento
apenas sucede o outro. Aplicando o enunciado de uma contingência
(“se...,então...”) é fácil verificar que neste exemplo não há uma relação real
contingencial: se eu descer do ônibus, então começa a chover. Claramente se vê
que não há dependência e nem relação causal entre descer do ônibus e o início
da chuva.
Os últimos
pontos a serem enfatizados antes de entrar no comportamento supersticioso são o
comportamento operante e o reforço. O comportamento operante é aquele em que ao emitir uma resposta, consequências são produzidas, isto é, modificações no ambiente, e é afetado por elas. Por exemplo, quando estendemos o braço para alcançar um livro que está sob a
mesa: emitimos um simples comportamento, o de esticar o braço (resposta) e
obtemos uma consequência, a alteração do lugar do livro (modificação no
ambiente). Essas modificações no ambiente podem afetar a ocorrência do
comportamento no futuro. Se a frequência de determinado comportamento aumentar,
ou seja, voltar ocorrer diante das mesmas contingências, significa que foi
reforçado. Dessa forma, podemos chamar de reforçador todo evento que aumentar a
probabilidade de ocorrência do comportamento. No exemplo acima, o fato de
conseguir alcançar o livro ao esticar o braço é reforçador.
Esclarecidos
alguns conceitos, podemos entender como alguns comportamentos supersticiosos
ocorrem. Skinner, em seu livro Ciência e Comportamento Humano (Skinner,
1953/2003), discute sobre esse assunto utilizando um experimento com pombos.
Pombos eram colocados em caixas e em um intervalo de 15 segundos recebiam uma
pequena quantidade de comida (reforço), porém não havia uma resposta especifica
a ser emitida pelo pombo para que fosse reforçado, ou seja, a cada 15 segundos
o pombo recebia comida independentemente da maneira que estivesse se
comportando.
Passado o
primeiro intervalo de tempo, o pombo recebe o reforço no mesmo momento em que
estava se comportando de alguma maneira, por exemplo, esticando o pescoço.
Dessa forma, tornava-se mais provável que este mesmo comportamento, esticar o
pescoço, se repetisse quando recebesse a comida novamente. E assim, com o
aumento da frequência de uma mesma resposta, esta seria reforçada várias vezes
e então o comportamento supersticioso, o de esticar o pescoço, seria agregado
ao repertório do pombo. Porém, a topografia (forma) do comportamento pode ser
modificada com outros reforços, pois modificações no momento da emissão da
resposta podem ser coincidentes com o recebimento da comida. Em síntese, o
comportamento supersticioso é adquirido e mantido por relação acidental com
reforço.
Trazendo esses
conceitos para o comportamento humano, o mesmo acontece. Tomemos o exemplo da
camiseta da sorte. Aquele torcedor ‘’roxo’’ veste a camisa do seu time
preferido para assistir aos jogos e acaba se deparando com a vitória do time. A
vitória torna-se reforçadora para o uso da camisa. E, muito provavelmente, nos
próximos jogos o torcedor a vista novamente. Com o passar das partidas e as
eventuais vitórias o torcedor atribui à camiseta tal acontecimento. Um bom
exemplo recente disso no futebol é o técnico da seleção brasileira nesta copa
de 2014, Felipão, que mesmo com o calor de 30ºC de Fortaleza, no jogo contra o
México, usava o agasalho azul da seleção. Em uma entrevista dada ao Sportv¸
quando questionado sobre o agasalho ele diz: “"Eu uso porque é
de praxe. Se não usar, parece que falta alguma coisa, falta um amuleto". O
leitor pode questionar “mas o Brasil empatou com o México nesse jogo, como fica
o efeito reforçador?”. Quando uma resposta supersticiosa estiver estabelecida,
sobreviverá mesmo quando só esporadicamente reforçada (Skinner, 1953/2003), e é
por isso que mesmo com o empate a presença do ‘’amuleto’’ do Felipão ainda é
frequente nas demais partidas.
E o gato
preto, será mesmo que o pobre felino é o culpado pelo azar do nosso dia? Bem, em
termos comportamentais, veremos que não. Ao cruzarmos com um gato preto na rua
e, suponhamos, pouco tempo depois tropeçamos e acabamos caindo, ora, é óbvio
que é culpa do gato. Uma vez que, após encontro com o gato preto, levamos um
tombo, essa queda torna-se uma espécie de confirmação para o fato de o felino
trazer azar. A partir de então, é bem provável que sempre que avistarmos um
gato preto, logo em seguida comecemos a associar esse evento a fatos negativos
que o sucedam, em outras palavras, inicia-se uma busca pelo azar. A proximidade
temporal é, novamente, um ponto importante para entender esse exemplo. Vamos
aplicar o enunciado da contingência, como vimos anteriormente: SE cruzarmos com
um gato preto, ENTÃO levaremos um tombo (ou qualquer outra coisa considerada
ruim). Posto dessa forma não fica evidente uma relação de causa, não há
dependência entre os dois eventos.
Por outro
lado, segundo Skinner, nem todo comportamento supersticioso evolui para as
chamadas superstições. De acordo com o autor “os ritos supersticiosos na
sociedade humana geralmente incluem fórmulas verbais e são transmitidos como
parte da cultura” (Skinner, 1953/2003, p. 96). Assim, mesmo diferindo em
relação ao reforçamento acidental, os rituais supersticiosos são explicados através
da tradição ou práticas culturais, que são passadas de geração a geração e
acabam reforçadas ao serem praticadas, dando continuidade ao ritual. Um
exemplo são os talismãs ou amuletos, aquela medalhinha que era do avô, que ele
dizia trazer sorte e que como parte da cultura da família é passada de pai para
filho com a mensagem de boa sorte, dando continuidade a um ritual
supersticioso.
Em suma, nem
sempre as consequências que percebemos possuem uma relação de causalidade com a
forma com que nos comportamos, é preciso estar atento aos eventos consequentes
para não cairmos em armadilhas e emitir comportamentos que não são eficientes.
Portanto, ao contrário do que disse Hamlet, entre o céu e a terra não há tantos
mistérios assim.
REFERÊNCIAS
Skinner, B. F.
(2003). Comportamento Operante. In B. F. Skinner, Ciência e Comportamento
Humano (pp. 93-96). São Paulo: Martins Fontes.
Keller, F. S.
(2003). Comportamento Supersticioso. In F. S. Keller, Aprendizagem – Teoria
do reforço (pp. 23-24). São Paulo: E.P.U.
Souza, Deisy
das Graças de. (2000). O conceito de contingencia: um enfoque histórico. Temas em Psicologia, 8(2),
125-136. Recuperado em 09 de agosto de 2014, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2000000200002&lng=pt&tlng=pt.
http://globotv.globo.com/sportv/copa-2014/v/satisfeito-com-apresentacao-felipao-diz-foi-um-jogo-muito-disputado-e-bom/3427432/,
acessado em 30 de julho de 2014, às 11h55.
O que é
contingência? -
http://www.itcrcampinas.com.br/txt/texto_deisy.pdf acessado em 30 de julho de
2014, às 10h18.
Muito bom o texto, Rafa. Pelo q eu vi estes autores não estão falando sobre superstição, q isso é um link seu. De qq forma, vc sabe de autores na psicologia que fizeram esta relação no comportamento religioso? No comportamento religioso é inacreditável o quanto as pessoas são capazes de relevar os reforços negativos e entender tudo como contingência da providência divina, ainda que as equivalência positivas sejam raríssimas e de relações muito distantes.
ResponderExcluirE a pergunta q não quer calar: naquela tarde quente do 7 a 1 o Felipão estava com seu casaquinho?