LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

terça-feira, 19 de agosto de 2014

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa filosofia” (?)

(Texto escrito por Rafaela Domingues - Membro LAC-AC)

A famosa frase de Hamlet, personagem da peça de Shakespeare, “A trágica história de Hamlet, o príncipe de Dinamarca”, demonstra o que muitas vezes acontece quando não sabemos dar explicação a algo ocorrido em nossas vidas: atribuímos o fato a algo fora da compreensão humana. Na peça, Hamlet recebe visitas do fantasma de seu falecido pai, e em um dos trechos da obra, a personagem diz a Horácio, numa tentativa de convencê-lo a fazer um juramento ao espectro de seu pai, que entre o céu e a terra havia muitos mistérios. Bem, em nosso cotidiano é fácil encontrar momentos em que, muitas vezes, classificamos como misterioso aquilo que consideramos sem explicação. Um bom exemplo são os comportamentos supersticiosos, que no senso comum possui caráter metafísico.

Quem nunca teve uma camiseta da sorte, que sempre ao usar, o amado time de futebol ganha a partida ou já teve receio de cruzar com gato preto na rua, passar por baixo de uma escada, alegando dar azar? Ainda, quem nunca espantou visita colocando uma vassoura atrás da porta? São vários os exemplos e a análise do comportamento tem uma explicação para isso.

Antes de falar sobre comportamento supersticioso é preciso diferenciar alguns conceitos: contingência e contiguidade temporal. Contingência possui vários significados, nos dicionários aparece como algo que pode ou não suceder, incerto. Na análise do comportamento a definição de contingência é complexa. De acordo com Skinner (1953;1969), (citado por Souza, 2000, p. 126), “em sentido geral, contingência pode significar qualquer relação de dependência entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais”. Por exemplo, ao pegarmos uma garrafa de água e girarmos a tampa, vamos abri-la. Um meio para identificar uma contingência é utilizar o enunciado SE..., ENTÃO.... Segundo Todorov (1989, p. 354, citado por Souza, 2000), a cláusula “se” pode especificar algum aspecto do comportamento ou do ambiente e a cláusula “então” especifica o evento ambiental consequente. Sendo assim, voltando ao exemplo, SE girarmos a tampa da garrafa, ENTÃO vamos abri-la. Neste caso deve haver uma relação de dependência entre girar a tampa da garrafa e abri-la.

Diferentemente, a contiguidade temporal (denominada contingência acidental, por Skinner) se constitui apenas por justaposição de eventos no tempo, sem levar em consideração a relação de causa. Em outras palavras, dois eventos ocorrem, como por exemplo, uma pessoa desce do ônibus e começa a chover, mas não há nenhuma relação de causalidade, há, apenas, uma mera proximidade temporal, um evento apenas sucede o outro. Aplicando o enunciado de uma contingência (“se...,então...”) é fácil verificar que neste exemplo não há uma relação real contingencial: se eu descer do ônibus, então começa a chover. Claramente se vê que não há dependência e nem relação causal entre descer do ônibus e o início da chuva.

Os últimos pontos a serem enfatizados antes de entrar no comportamento supersticioso são o comportamento operante e o reforço. O comportamento operante é aquele em que ao emitir uma resposta, consequências são produzidas, isto é, modificações no ambiente, e é afetado por elas. Por exemplo, quando estendemos o braço para alcançar um livro que está sob a mesa: emitimos um simples comportamento, o de esticar o braço (resposta) e obtemos uma consequência, a alteração do lugar do livro (modificação no ambiente). Essas modificações no ambiente podem afetar a ocorrência do comportamento no futuro. Se a frequência de determinado comportamento aumentar, ou seja, voltar ocorrer diante das mesmas contingências, significa que foi reforçado. Dessa forma, podemos chamar de reforçador todo evento que aumentar a probabilidade de ocorrência do comportamento. No exemplo acima, o fato de conseguir alcançar o livro ao esticar o braço é reforçador.

Esclarecidos alguns conceitos, podemos entender como alguns comportamentos supersticiosos ocorrem. Skinner, em seu livro Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/2003), discute sobre esse assunto utilizando um experimento com pombos. Pombos eram colocados em caixas e em um intervalo de 15 segundos recebiam uma pequena quantidade de comida (reforço), porém não havia uma resposta especifica a ser emitida pelo pombo para que fosse reforçado, ou seja, a cada 15 segundos o pombo recebia comida independentemente da maneira que estivesse se comportando.

Passado o primeiro intervalo de tempo, o pombo recebe o reforço no mesmo momento em que estava se comportando de alguma maneira, por exemplo, esticando o pescoço. Dessa forma, tornava-se mais provável que este mesmo comportamento, esticar o pescoço, se repetisse quando recebesse a comida novamente. E assim, com o aumento da frequência de uma mesma resposta, esta seria reforçada várias vezes e então o comportamento supersticioso, o de esticar o pescoço, seria agregado ao repertório do pombo. Porém, a topografia (forma) do comportamento pode ser modificada com outros reforços, pois modificações no momento da emissão da resposta podem ser coincidentes com o recebimento da comida. Em síntese, o comportamento supersticioso é adquirido e mantido por relação acidental com reforço.

Trazendo esses conceitos para o comportamento humano, o mesmo acontece. Tomemos o exemplo da camiseta da sorte. Aquele torcedor ‘’roxo’’ veste a camisa do seu time preferido para assistir aos jogos e acaba se deparando com a vitória do time. A vitória torna-se reforçadora para o uso da camisa. E, muito provavelmente, nos próximos jogos o torcedor a vista novamente. Com o passar das partidas e as eventuais vitórias o torcedor atribui à camiseta tal acontecimento. Um bom exemplo recente disso no futebol é o técnico da seleção brasileira nesta copa de 2014, Felipão, que mesmo com o calor de 30ºC de Fortaleza, no jogo contra o México, usava o agasalho azul da seleção. Em uma entrevista dada ao Sportv¸ quando questionado sobre o agasalho ele diz: “"Eu uso porque é de praxe. Se não usar, parece que falta alguma coisa, falta um amuleto". O leitor pode questionar “mas o Brasil empatou com o México nesse jogo, como fica o efeito reforçador?”. Quando uma resposta supersticiosa estiver estabelecida, sobreviverá mesmo quando só esporadicamente reforçada (Skinner, 1953/2003), e é por isso que mesmo com o empate a presença do ‘’amuleto’’ do Felipão ainda é frequente nas demais partidas.

E o gato preto, será mesmo que o pobre felino é o culpado pelo azar do nosso dia? Bem, em termos comportamentais, veremos que não. Ao cruzarmos com um gato preto na rua e, suponhamos, pouco tempo depois tropeçamos e acabamos caindo, ora, é óbvio que é culpa do gato. Uma vez que, após encontro com o gato preto, levamos um tombo, essa queda torna-se uma espécie de confirmação para o fato de o felino trazer azar. A partir de então, é bem provável que sempre que avistarmos um gato preto, logo em seguida comecemos a associar esse evento a fatos negativos que o sucedam, em outras palavras, inicia-se uma busca pelo azar. A proximidade temporal é, novamente, um ponto importante para entender esse exemplo. Vamos aplicar o enunciado da contingência, como vimos anteriormente: SE cruzarmos com um gato preto, ENTÃO levaremos um tombo (ou qualquer outra coisa considerada ruim). Posto dessa forma não fica evidente uma relação de causa, não há dependência entre os dois eventos.

Por outro lado, segundo Skinner, nem todo comportamento supersticioso evolui para as chamadas superstições. De acordo com o autor “os ritos supersticiosos na sociedade humana geralmente incluem fórmulas verbais e são transmitidos como parte da cultura” (Skinner, 1953/2003, p. 96). Assim, mesmo diferindo em relação ao reforçamento acidental, os rituais supersticiosos são explicados através da tradição ou práticas culturais, que são passadas de geração a geração e acabam reforçadas ao serem praticadas, dando continuidade ao ritual.  Um exemplo são os talismãs ou amuletos, aquela medalhinha que era do avô, que ele dizia trazer sorte e que como parte da cultura da família é passada de pai para filho com a mensagem de boa sorte, dando continuidade a um ritual supersticioso.

Em suma, nem sempre as consequências que percebemos possuem uma relação de causalidade com a forma com que nos comportamos, é preciso estar atento aos eventos consequentes para não cairmos em armadilhas e emitir comportamentos que não são eficientes. Portanto, ao contrário do que disse Hamlet, entre o céu e a terra não há tantos mistérios assim.

REFERÊNCIAS

Skinner, B. F. (2003). Comportamento Operante. In B. F. Skinner, Ciência e Comportamento Humano (pp. 93-96). São Paulo: Martins Fontes.
Keller, F. S. (2003). Comportamento Supersticioso. In F. S. Keller, Aprendizagem – Teoria do reforço (pp. 23-24). São Paulo: E.P.U.
Souza, Deisy das Graças de. (2000). O conceito de contingencia: um enfoque histórico. Temas em Psicologia, 8(2), 125-136. Recuperado em 09 de agosto de 2014, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2000000200002&lng=pt&tlng=pt.
http://globotv.globo.com/sportv/copa-2014/v/satisfeito-com-apresentacao-felipao-diz-foi-um-jogo-muito-disputado-e-bom/3427432/, acessado em 30 de julho de 2014, às 11h55.
O que é contingência? - http://www.itcrcampinas.com.br/txt/texto_deisy.pdf acessado em 30 de julho de 2014, às 10h18.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Learning curve: é reforçando ou punindo que se aprende?

(Texto escrito por Maira Lima - Membro LAC-AC)

No total de 40 países analisados, o Brasil  ocupa a  38ª posição nos rankings de leitura, matemática e ciências. A educação é uma grande preocupação de sociedades modernas; sua qualidade é avaliada mundialmente com medidas como desempenho escolar, níveis de repetência ou desistência, etc. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os relatórios produzidos pela Pearson e, também, pela EIU (Economist Intelligence Unit) (BBC online, 2014). O nível de repetência é consideravelmente numeroso. Esses dados são consequência do baixo desempenho de alunos da rede pública de ensino. A bola de neve chegou ao ponto de se falar sobre a “geração de diplomas”, resultado de indivíduos que ao longo da vida escolar deixam os estudos sempre de lado. Chegam a garantir o diploma, porém a qualificação que o mercado pede, simplesmente fica em segundo plano (BBC online, 2013).

Diante desses fatos, eis que surge a pergunta: “Afinal, de quem é a culpa?”. 91% dos professores brasileiros alegam que as causas do baixo desempenho escolar são a falta de interesse dos alunos, o meio em que o aluno vive e a falta de acompanhamento dos pais (Lima, 2013, Gazeta do Povo). Enquanto isso, os pais culpam a escola. No fim ambos se unem para culpar o governo.

Enquanto isso, na Ásia, famílias de classe média e rural fazem o que podem e, até mesmo, o que não podem para garantir o melhor ensino para os filhos. Para garantir a inserção dos filhos em uma boa universidade, as famílias asiáticas têm acumulado dívidas com atividades extracurriculares e mensalidades de escolas privadas. Nos Estados Unidos, cresce o número de famílias que optam pela educação domiciliar. Os pais demonstram preocupação com a insegurança, bullying e a má qualidade de ensino na rede pública. A eficiência dessa prática é verificada nos resultados da prova nacional de avaliação.

É notável o contraste existente no ensino e aprendizagem de diversos países. Precisamos levar em consideração a diversidade cultural, as necessidades e demandas de cada população. Cada grupo aplica a metodologia que determina ser mais adequada para que ocorra uma aprendizagem significativa, tornando- se necessário a utilização de ferramentas inéditas, dinâmicas e inovadoras para o ensino.

Nesse contexto, ciências como a Psicologia têm estudado formas de tornar o ensino mais proveitoso e relevante, com técnicas novas. Nesse viés, a análise do comportamento traz grandes contribuições para o âmbito da educação. No que diz respeito à análise aplicada, cabe, dentre outros recursos, o uso de filmes que possibilitem a discussão dos princípios behavioristas em situações do cotidiano. Partindo desse ponto, o presente texto apresenta como proposta a análise do filme Enjaulados (Detention/Learning curve, 1998), o qual possibilita a observação de inúmeros conceitos da análise do comportamento, como esquemas de reforçamento, contingências aversivas, dentre outros, e a influência destes nos padrões de comportamento dos personagens.

O filme apresenta uma história fictícia que se passa em uma escola do subúrbio dos Estados Unidos, na qual alunos de uma determinada turma apresentavam comportamentos ditos como inadequados (agressivos, descomprometidos, dentre outros), e esses padrões eram mantidos pelas contingências presentes nesta instituição de ensino. Devido ao afastamento da professora titular, o professor William Walmsley (interpretado pelo ator John S. Davies) é convidado a ser professor substituto nessa escola. Inicialmente o professor tenta modificar o comportamento destes alunos, fazendo uso dos recursos disponíveis, contudo sem sucesso, pois esbarra na influência e manutenção do meio no comportamento destes. Opta então por levar sete alunos a um lugar isolado que permite a utilização de diferentes estratégias de ensino para mudar o comportamento dos mesmos, permitindo o ensino de conteúdos escolares e de outros repertórios. Contudo, as estratégias adotadas pelo professor consistem basicamente no uso de contingências aversivas, o que permite a discussão da eficácia ou não destas, seja através da retirada de algo reforçador ou apresentação de estímulos aversivos. Mas o por quê do uso da punição? Será que punimos alguém cujo comportamento consideramos como ruim, prejudicial para o meio onde nos encontramos, apenas com o intuito de reduzir a frequência deste comportamento inadequado? Este filme permite o início da discussão e reflexão destas questões, ilustrando os diferentes efeitos da punição nos comportamentos dos personagens.

Em certo momento os estudantes são despidos e presos em uma jaula eletrizada com subdivisões, e são despertados com uma música que toca ininterruptamente. Os alunos ainda permanecem um longo período de tempo sozinhos com Hey Mickey (Toni Basil) tocando continuamente.

Os alunos tentam abrir a jaula, mas ao tocarem as barras , recebem uma descarga elétrica. Uma mudança no ambiente em decorrência de um comportamento pode ser descrita através da contingência. Para isso ocorrer é necessário um “se” e um “então”. Se um dos alunos tocasse as barras eletrizadas então recebiam uma descarga elétrica.

Walmsley chega ao local distribuindo roupa, água e protetor solar para cada aluno, realiza algumas orientações e diz que as aulas irão começar. Ele controla a música, eletricidade do chão e o rumo do, até então, novo método de ensino. No dia seguinte, junto com pão e água, Walmsley entrega uma lista de estudos, pois no dia seguinte será aplicada uma prova e garante que quando os alunos terminarem ganharão mais comida.

Inicialmente, os alunos se mostram relutantes, a frequência da emissão de palavrões aumenta e todos acreditam estar em uma pegadinha. A cada palavrão dito, a cada comportamento inadequado, segundo o professor, os alunos recebiam um choque acompanhado de um determinado som. Após o emparelhamento de estímulos, só de ouvir o som, os alunos se retraiam. A punição de determinado comportamento resulta na diminuição da frequência desse comportamento. A punição tem como função retirar certo comportamento de um repertório (Skinner, 1974, p.56).

O reforço positivo, segundo Skinner, aumenta a probabilidade de um comportamento voltar a ocorrer. Então, após um longo período de privação, os adolescentes passam a estudar assiduamente para obterem roupas, comida, itens de higiene e água.

Como os spoilers já passaram da conta nesse texto, me limito e relatar apenas alguns recortes do filme que demonstram situações de reforço e punição. Se deu certo ou não, indico que assistam o filme. Claro que as técnicas utilizadas por Walmsley extrapolaram os direitos e deveres dos alunos. Mas fica o questionamento: Todos podem fazer algo a mais, algo de diferente para mudar a situação do ensino no Brasil, então o que impede os próprios pais e professores de começar a modificar o sistema de ensino? A resposta fica para outro momento.

Referências:

Moreira, M.B.; Medeiros, C.A. (2007). Princípios básicos de analise do comportamento. Porto Alegre: Artmed.

Sampaio, B.; Guimaraes, J. Diferenças de eficiência entre ensino público e privado no Brasil. Econ. aplic., São Paulo, v. 13, n. 1, p. 45-68, 2009.

Skinner, B. F. (1974). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 2006.

Todorov, J. C. (2007).  A Psicologia como o estudo das interações.  Psicologia: Teoria e Pesquisa (pp. 347-356). Brasília, reedição de texto publicado em 1989, no volume 5 número 3.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Se essa criança se comporta assim... Em que fase ela está? Uma visão analítico-comportamental do desenvolvimento

(Texto escrito por Marjorie Wanderley - Assessoria de Comunicação LAC-AC)

Semana passada eu realizei um curso de Psicologia Hospitalar em um hospital infantil e frequentemente, durante as aulas teóricas, os professores falavam algo do tipo “Eu uso a classificação de fases do desenvolvimento X, mas você tem que usar a que está de acordo com a sua abordagem teórica”... E aí ficava fácil para quem utilizava a Psicanálise classificar as fases do desenvolvimento, para quem se baseava em Piaget ou Vigotski... Mas, e nós? Como podemos falar de fases do desenvolvimento infantil de modo que fique congruente com nossos princípios filosóficos?

Bom, como uma típica aluna de graduação desesperada, corri pedir ajuda por e-mail, e quem me deu uma luz foi a professora Ana Paula Viezzer, da UFPR, que recomendou a leitura de um capítulo excelente que pode nos ajudar a compreender e conversar sobre o assunto... Partindo do princípio de que essa pode ser a dificuldade de alguns de vocês também, vou aproveitar o texto da semana para falar um pouquinho sobre isso, partindo do capítulo que foi recomendado, ‘Uma abordagem analítico-comportamental do desenvolvimento’ de Laercia Abreu Vasconcelos.

Para começar, acontece que eu estava certa em ficar confusa. De fato, a Análise do Comportamento não trabalha com categorização de fases para o desenvolvimento infantil, então nós nunca iremos dizer “pelo o que eu observei, essa criança está na fase de desenvolvimento X, mas de acordo com sua idade, deveria estar na fase Y”. Vamos entender o porquê.

Voltando aos princípios da aprendizagem, fica fácil entender o conceito de desenvolvimento para a Análise do Comportamento – ele é explicado a partir de mudanças nas interações entre o indivíduo e o ambiente. Essas interações são bidirecionais – a ação do organismo altera aspectos do ambiente, e estes retroagem sobre o organismo. Esse processo de desenvolvimento não é entendido como unidirecional, ou seja, as crianças não sobem todas numa escadinha levando a uma única direção – inclusive essa é uma das críticas de Vasconcelos (2010), de que os manuais de Psicologia do Desenvolvimento focalizavam uma visão linear, fragmentada e descontextualizada. Pelo contrário, o desenvolvimento se dá pela história ambiental e é único, pertencente a um indivíduo - sendo assim, fica realmente difícil falarmos de fases do desenvolvimento comuns a todas as crianças, né?

Esse desenvolvimento, ainda, está sujeito à ação dos três níveis de seleção – filogenético, ontogenético e cultural. Esses três níveis estão sobrepostos e possuem uma grande complexidade, e por isso é tão difícil distinguir o que do desenvolvimento é inato, o que foi adquirido pela história de vida e o que foi instaurado pela cultura. A Análise do Comportamento não defende explicações puramente ambientais ou puramente genéticas, considerando que uma está continuamente sob influência da outra – embora o enfoque seja nas contingências, as bases biológicas do comportamento são utilizadas como complemento a qualquer análise.

Considerando que cada indivíduo é único em sua fisiologia, sua história de reforço e a cultura na qual está inserido, o desenvolvimento deve ser estudado a partir dos efeitos de cada variável ambiental sobre o comportamento de um indivíduo, utilizando o método de estudo das relações funcionais de delineamento experimental do sujeito como seu próprio controle. Sendo assim, para a Análise do Comportamento, o conceito de desenvolvimento não requer a formulação de uma teoria do desenvolvimento.

No entanto, isso não quer dizer que a nossa abordagem ignore o desenvolvimento infantil – o analista do comportamento também se dedica a investigar os processos relacionados aos padrões comportamentais, aquisição e manutenção de comportamentos e os estados estáveis de transição, e isso é feito justamente partindo do modelo de aprendizagem operante. Esse modelo é suficiente no sentido de, através da análise funcional, fornecer uma base teórica e metodológica para identificar mudanças comportamentais que compõem o desenvolvimento, indicando inclusive variáveis ambientais que possam gerar previsões e controle sobre padrões de comportamentos.

O método, portanto, seria o de avaliação funcional, enriquecido a partir da observação sistemática, que se dá por meio da descrição objetiva de comportamentos feita por observadores treinados. Essa observação fornece informações relevantes sobre a função de um comportamento em um determinado contexto. Além da análise funcional, os analistas do comportamento podem apoiar-se em dois conceitos para estudar o desenvolvimento – o primeiro deles é o de metacontingências, que são relações funcionais entre classes de operantes, nas quais o comportamento de um indivíduo pode ser uma ocasião ou uma consequência para o comportamento de outro indivíduo - por exemplo, as práticas culturais, que são compostas de comportamentos entrelaçados. Nesse sentido ressalta-se a importância de unidades sociais mais amplas, como família, escola e Estado no desenvolvimento infantil.

O segundo é o conceito de behavioral cusp (algo como ápice comportamental ou cunha comportamental), criado por Rosales-Ruiz e Baer (1997), que permite organizar o processo de desenvolvimento a partir do estudo de mudanças singulares na interação organismo-ambiente que ampliam o repertório comportamental do indivíduo – ou seja, alguns comportamentos ou contingências criam novos comportamentos, que interagem com novas contingências. O modo como isso acontece é uma mudança comportamental expondo o repertório do indivíduo a novos ambientes, especialmente a novos reforçadores e punidores. Um exemplo é o comportamento de engatinhar, que pode ser considerado uma cunha comportamental, no sentido de que possibilita a inserção do indivíduo em um novo contexto e em novas atividades, proporcionando o desenvolvimento diante de novas exigências. O desenvolvimento poderia ser avaliado a partir dessas etapas - comportamentos já presentes no repertório daquela criança, geradores de novos contextos que possibilitam outros comportamentos.

Skinner escreveu especificamente sobre o desenvolvimento, dizendo que se uma criança não se comporta mais como no ano anterior não é porque houve um desenvolvimento de sua mente, como dizia Piaget, ou de sua personalidade, como em Freud, mas sim porque justamente se comporta de modo diferente, não só porque cresceu, mas porque teve tempo de adquirir um repertório bem mais amplo através da exposição a novas contingências (Skinner, 1974/1993, p.60). Portanto, tratar do desenvolvimento significa analisar a aquisição de comportamentos e modificações em repertórios comportamentais ligados à interação do indivíduo com seu ambiente social e com ele mesmo (Alvarenga, 2006). Nesse sentido, fica difícil também falarmos de um déficit ou atraso no desenvolvimento utilizando manuais diagnósticos universais, já que o desenvolvimento é único. Essa dificuldade é ampliada a qualquer tipo de diagnóstico mental, na verdade (mais informações sobre psicopatologia na Análise do Comportamento, em Gongora (2003).

Sendo assim, o desenvolvimento é estudado pela Análise do Comportamento como um conjunto de interações organismo-ambiente e é dado de forma individual, de acordo com a história filogenética, ontogenética e cultural, não sendo, portanto, enquadrado em fases normativas. Embora seja um processo extremamente complexo e influenciado por diversas variáveis, é possível estudá-lo através de análises funcionais, enquadrando aquele indivíduo no que seria esperado de acordo com a previsão de padrões de comportamentos esperados para seu repertório comportamental. Ao meu ver, o fato de não nos basearmos em um manual comparativo de fases do desenvolvimento só ressalta a importância de nós, enquanto profissionais, termos uma base filosófica e teórica extremamente sólida, que esteja apoiando todas  as nossas análises e intervenções, para que possamos entender o desenvolvimento de uma criança de acordo com seu próprio repertório e no contexto na qual está inserida.

Referências
ALVARENGA, P. O desenvolvimento sócio-emocional nos primeiros anos de vida e as contingências em operação na interação pais-criança. In: Guilhardi, H. J. & Aguirre, N. C. de (Orgs.). (2006). Sobre comportamento e cognição: Vol. 18. Expondo a variabilidade. Santo André: Esetec.
GONGORRA, M.A.N (2003). Noção de psicopatologia em Análise do Comportamento. Em: Primeiros Passos em Análise do Comportamento e cognição. Costa, C.E, Luzia, J.C e Sant’ana, H.H.N Org.São Paulo: Esetec.
ROSALES-RUIZ, J.; BAER, D. M. Behavioral Cusps: A developmental and pragmatic concept for Behavior Analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, v. 30, p. 533-544,1997.
SKINNER,  B.  F.  (1993).  Sobre o behaviorismo.  (M.  P.  Villalobos, Trad.).  São Paulo: Cultrix.  (Original publicado em  1974)
VASCONCELOS, Laercia Abreu ; NAVES, Ana Rita C Xavier; ÀVILA, Raquel Ramos . Uma abordagem analítico-comportamental do desenvolvimento. In: Emmanuel Zagury Tourinho e Sérgio Luna. (Org.). Investigações Históricas, Conceituais e Aplicadas em Análise do Comportamento. 1ed.São Paulo: Roca, 2010, v. 1, p. 125-151.