(Texto escrito por Cindy Vaccari - UFPR - Secretaria LAC-AC)
Quanto mais você estuda Análise do Comportamento, mais claro fica um princípio que nem sempre é visível no cotidiano: todo comportamento possui uma função. E quando escrevo “todo comportamento”, estou sendo literal: são todos eles. Não apenas aqueles que parecem “normais” e, porque não, “positivos”, mas também aqueles que parecem “anormais” ou “negativos”. Cabe aqui uma explicação: julgamos comportamentos embasados no que aprendemos em nossas histórias de vida, com as instituições sociais com as quais entramos em contato (nossa família, instituições religiosas, sistema educacional) e, de forma geral, com a própria sociedade na qual estamos inseridos, através de suas práticas culturais.
Quando a AC diz que os comportamentos se mantêm por serem funcionais,
então esse julgamento descrito perde parte de sua lógica. Um comportamento não
pode ser definido como anormal ou negativo, pois ele é funcional no contexto em
que está inserido. Também é a partir desse viés que a AC entende as
psicopatologias descritas em manuais diagnósticos, como a CID (Classificação
Internacional de Doenças) e o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais). Embora esse não seja exatamente o foco do presente texto,
é interessante destacar que, de um ponto de vista analítico-comportamental, as
psicopatologias são comportamentos que estão sendo reforçados em determinado
contexto, e que, sim, possuem função.
Assim, o objetivo de uma psicoterapia embasada em princípios de AC não
está em descrever e classificar os comportamentos de, por exemplo, uma
depressão. Um analista do comportamento irá além da descrição: a ideia é que a
história do indivíduo seja analisada, e que seus comportamentos – aqueles que
podem ser chamados de depressão – possam ser compreendidos dentro de seu
contexto. O que mantém as “respostas de depressão”, como humor deprimido,
diminuição de interesse em atividades que antes eram prazerosas, insônia, etc.,
são diferentes para cada pessoa, de modo que não há uma estratégia única para
se lidar com tais questões em um contexto clínico.
Embora, como dito, todos os comportamentos precisem ser analisados
dentro de seus contextos, existem leis do comportamento que formam
certos padrões. Ao se pensar na depressão, como no exemplo acima, há um modelo
experimental chamado “desamparo aprendido” que, de acordo com Hunziker e Samelo
(2012), não somente “imita” as mudanças comportamentais encontradas na
depressão, mas também cria alterações neuroquímicas semelhantes às de
indivíduos deprimidos. Em um artigo de 1976, Maier e Seligman apontam que o
desamparo aprendido causa efeitos motivacionais, cognitivos e emocionais.
Mas o que é o desamparo aprendido? Sanabio-Heck e Motta (2005) descrevem
que ele ocorre quando há relações de independência entre os eventos do ambiente
e as respostas do indivíduo. Ou seja, o indivíduo não tem controle sobre o que
ocorre em sua própria vida. Maier e Seligman (1976) utilizam uma metáfora,
explicando que, nessas situações, o comportamento tem 50% de chances de ser
reforçado, e 50% de chances de não ser reforçado, o que caracteriza o fenômeno
da incontrolabilidade.
A partir dessa descrição, é possível pensar em um exemplo que torne a
incontrolabilidade mais clara. Podemos analisar o comportamento de uma criança
que vive somente com sua mãe, sendo que essa mãe possui diversos problemas não
estão relacionados ao seu filho, mas sim ao trabalho. Esses problemas de
trabalho ocupam grande parte de seu dia, e, ao chegar em casa, ela trata o
filho de acordo com seu humor na ocasião. Se os problemas não parecem graves e
ela se sente feliz, o filho é mimado, recebe carinho, etc.; porém, se os problemas
foram difíceis de lidar, ela pune o filho, o colocando de castigo por
qualquer motivo, o negligenciando, etc. Ainda que a mãe esteja sob controle de
certos estímulos (ou seja, seu comportamento possui uma função no contexto em
que está inserido), isso gera efeitos em seu filho, pois ele está em um
ambiente incontrolável. O filho pode agir de forma desejável ou indesejável de
acordo com as regras estabelecidas (por sua mãe ou por outros indivíduos), mas
as consequências não ocorrerão de acordo com o comportamento dele. Dizer isso
não significa afirmar que o filho jamais saberá como se comportar diante de sua
mãe: ele aprendeu que, em determinados momentos, tem maior probabilidade de
receber atenção ou carinho da mãe, e em outros, tem maior probabilidade de ser
punido. Mas, na maior parte do tempo, ele não é capaz de compreender essas
sutilezas existentes no comportamento dela, de forma que, no geral, seu
relacionamento com ela é pautado na incontrolabilidade.
Diversas consequências podem decorrer de um ambiente incontrolável; uma
das principais é que o indivíduo para de se comportar. Outros efeitos se
relacionam com a dificuldade de adquirir respostas de fuga ou esquiva (ou seja,
diante de um estímulo que sinaliza uma punição, o indivíduo não é capaz de se
comportar de forma a evitar essa punição), além de dificuldade para aprender
novos comportamentos (Sanabio-Heck e Motta, 2005).
Hunziker e Samelo (2012) destacam que o efeito da incontrolabilidade não
está diretamente ligado ao ambiente aversivo; no caso do nosso exemplo, o
problema não está necessariamente na punição aplicada pela mãe, e sim no fato
de que ela não corresponde ao comportamento do filho. Ao emitir um
comportamento qualquer, o filho não terá sempre a mesma consequência produzida
por sua mãe, mas entrará em contato com consequências variadas que produzem
diferentes efeitos em seu comportamento. Uma criança que cresce em um ambiente
como esse pode não aprender que, em outros contextos, ela pode ter acesso a
outros reforçadores; ou seja, diante de pessoas diferentes, como professores,
amigos e outros familiares, ela pode se comportar de forma que eles o elogiem,
dêem atenção, etc. Esse padrão comportamental pode, então, ser encarado de forma
“anormal” ou “negativa”, como citado no início do texto.
Obviamente, como já explicitado, cada indivíduo possui sua própria
história de vida. Quando um padrão semelhante ao descrito aparece na clínica, o
psicólogo não deve presumir que ele provém de uma história de
incontrolabilidade. Por exemplo, uma pessoa que possua comportamentos que
caracterizem uma depressão pode agir assim porque essa é a maneira pela qual ela
pode receber a atenção das pessoas do seu contexto social. Isso pode fazer com
que o profissional fique procurando “dicas” na história do sujeito, sem ficar
atento a outros fatores importantes e que pode realmente facilitar a análise
daquela situação particular. Ao mesmo tempo, saber que tal efeito
comportamental existe, é relevante, e, nessas situações, o processo de
psicoterapia é fundamental. Ela pode ensinar o sujeito a discriminar os
ambientes na qual está inserido, e, também, pode ensinar que, dado o contexto,
tal sujeito possui mais ou menos controle das variáveis com as quais entra em
contato, podendo manipulá-las para ter mais acesso a reforçadores e, assim,
sentir-se mais feliz.
Referências
Hunziker,
M. H. L. & Samelo, M. J. (2012). Controle aversivo. Em N. B. Borges, &
F. A. Cassas (Eds.), Clínica analítico-comportamental (pp. 49-63). Porto
Alegre: Artmed.
Maier,
S. F. & Seligman, M. E. P. (1976). Learned helplessness: Theory and
evidence. Journal of Experimental Psychology: General, 105(1), 3-46.
Sanabio-Heck, E. T. &
Motta, K. G. S. (2005). Desamparo aprendido. Em J. Abreu-Rodrigues, & M. R.
Ribeiro (Eds.), Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação
(pp. 81-98). Porto Alegre:
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