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LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

terça-feira, 8 de julho de 2014

Depressão e incontrolabilidade na Análise do Comportamento

(Texto escrito por Cindy Vaccari - UFPR - Secretaria LAC-AC)

Quanto mais você estuda Análise do Comportamento, mais claro fica um princípio que nem sempre é visível no cotidiano: todo comportamento possui uma função. E quando escrevo “todo comportamento”, estou sendo literal: são todos eles. Não apenas aqueles que parecem “normais” e, porque não, “positivos”, mas também aqueles que parecem “anormais” ou “negativos”. Cabe aqui uma explicação: julgamos comportamentos embasados no que aprendemos em nossas histórias de vida, com as instituições sociais com as quais entramos em contato (nossa família, instituições religiosas, sistema educacional) e, de forma geral, com a própria sociedade na qual estamos inseridos, através de suas práticas culturais.

Quando a AC diz que os comportamentos se mantêm por serem funcionais, então esse julgamento descrito perde parte de sua lógica. Um comportamento não pode ser definido como anormal ou negativo, pois ele é funcional no contexto em que está inserido. Também é a partir desse viés que a AC entende as psicopatologias descritas em manuais diagnósticos, como a CID (Classificação Internacional de Doenças) e o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Embora esse não seja exatamente o foco do presente texto, é interessante destacar que, de um ponto de vista analítico-comportamental, as psicopatologias são comportamentos que estão sendo reforçados em determinado contexto, e que, sim, possuem função.

Assim, o objetivo de uma psicoterapia embasada em princípios de AC não está em descrever e classificar os comportamentos de, por exemplo, uma depressão. Um analista do comportamento irá além da descrição: a ideia é que a história do indivíduo seja analisada, e que seus comportamentos – aqueles que podem ser chamados de depressão – possam ser compreendidos dentro de seu contexto. O que mantém as “respostas de depressão”, como humor deprimido, diminuição de interesse em atividades que antes eram prazerosas, insônia, etc., são diferentes para cada pessoa, de modo que não há uma estratégia única para se lidar com tais questões em um contexto clínico.

Embora, como dito, todos os comportamentos precisem ser analisados dentro de seus contextos, existem leis do comportamento que formam certos padrões. Ao se pensar na depressão, como no exemplo acima, há um modelo experimental chamado “desamparo aprendido” que, de acordo com Hunziker e Samelo (2012), não somente “imita” as mudanças comportamentais encontradas na depressão, mas também cria alterações neuroquímicas semelhantes às de indivíduos deprimidos. Em um artigo de 1976, Maier e Seligman apontam que o desamparo aprendido causa efeitos motivacionais, cognitivos e emocionais.

Mas o que é o desamparo aprendido? Sanabio-Heck e Motta (2005) descrevem que ele ocorre quando há relações de independência entre os eventos do ambiente e as respostas do indivíduo. Ou seja, o indivíduo não tem controle sobre o que ocorre em sua própria vida. Maier e Seligman (1976) utilizam uma metáfora, explicando que, nessas situações, o comportamento tem 50% de chances de ser reforçado, e 50% de chances de não ser reforçado, o que caracteriza o fenômeno da incontrolabilidade.

A partir dessa descrição, é possível pensar em um exemplo que torne a incontrolabilidade mais clara. Podemos analisar o comportamento de uma criança que vive somente com sua mãe, sendo que essa mãe possui diversos problemas não estão relacionados ao seu filho, mas sim ao trabalho. Esses problemas de trabalho ocupam grande parte de seu dia, e, ao chegar em casa, ela trata o filho de acordo com seu humor na ocasião. Se os problemas não parecem graves e ela se sente feliz, o filho é mimado, recebe carinho, etc.; porém, se os problemas foram difíceis de lidar, ela pune o filho, o colocando de castigo por qualquer motivo, o negligenciando, etc. Ainda que a mãe esteja sob controle de certos estímulos (ou seja, seu comportamento possui uma função no contexto em que está inserido), isso gera efeitos em seu filho, pois ele está em um ambiente incontrolável. O filho pode agir de forma desejável ou indesejável de acordo com as regras estabelecidas (por sua mãe ou por outros indivíduos), mas as consequências não ocorrerão de acordo com o comportamento dele. Dizer isso não significa afirmar que o filho jamais saberá como se comportar diante de sua mãe: ele aprendeu que, em determinados momentos, tem maior probabilidade de receber atenção ou carinho da mãe, e em outros, tem maior probabilidade de ser punido. Mas, na maior parte do tempo, ele não é capaz de compreender essas sutilezas existentes no comportamento dela, de forma que, no geral, seu relacionamento com ela é pautado na incontrolabilidade.

Diversas consequências podem decorrer de um ambiente incontrolável; uma das principais é que o indivíduo para de se comportar. Outros efeitos se relacionam com a dificuldade de adquirir respostas de fuga ou esquiva (ou seja, diante de um estímulo que sinaliza uma punição, o indivíduo não é capaz de se comportar de forma a evitar essa punição), além de dificuldade para aprender novos comportamentos (Sanabio-Heck e Motta, 2005).

Hunziker e Samelo (2012) destacam que o efeito da incontrolabilidade não está diretamente ligado ao ambiente aversivo; no caso do nosso exemplo, o problema não está necessariamente na punição aplicada pela mãe, e sim no fato de que ela não corresponde ao comportamento do filho. Ao emitir um comportamento qualquer, o filho não terá sempre a mesma consequência produzida por sua mãe, mas entrará em contato com consequências variadas que produzem diferentes efeitos em seu comportamento. Uma criança que cresce em um ambiente como esse pode não aprender que, em outros contextos, ela pode ter acesso a outros reforçadores; ou seja, diante de pessoas diferentes, como professores, amigos e outros familiares, ela pode se comportar de forma que eles o elogiem, dêem atenção, etc. Esse padrão comportamental pode, então, ser encarado de forma “anormal” ou “negativa”, como citado no início do texto.

Obviamente, como já explicitado, cada indivíduo possui sua própria história de vida. Quando um padrão semelhante ao descrito aparece na clínica, o psicólogo não deve presumir que ele provém de uma história de incontrolabilidade. Por exemplo, uma pessoa que possua comportamentos que caracterizem uma depressão pode agir assim porque essa é a maneira pela qual ela pode receber a atenção das pessoas do seu contexto social. Isso pode fazer com que o profissional fique procurando “dicas” na história do sujeito, sem ficar atento a outros fatores importantes e que pode realmente facilitar a análise daquela situação particular. Ao mesmo tempo, saber que tal efeito comportamental existe, é relevante, e, nessas situações, o processo de psicoterapia é fundamental. Ela pode ensinar o sujeito a discriminar os ambientes na qual está inserido, e, também, pode ensinar que, dado o contexto, tal sujeito possui mais ou menos controle das variáveis com as quais entra em contato, podendo manipulá-las para ter mais acesso a reforçadores e, assim, sentir-se mais feliz.

Referências
     Hunziker, M. H. L. & Samelo, M. J. (2012). Controle aversivo. Em N. B. Borges, & F. A. Cassas (Eds.), Clínica analítico-comportamental (pp. 49-63). Porto Alegre: Artmed.
     Maier, S. F. & Seligman, M. E. P. (1976). Learned helplessness: Theory and evidence. Journal of Experimental Psychology: General, 105(1), 3-46.
     Sanabio-Heck, E. T. & Motta, K. G. S. (2005). Desamparo aprendido. Em J. Abreu-Rodrigues, & M. R. Ribeiro (Eds.), Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp. 81-98). Porto Alegre: 

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