LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

terça-feira, 29 de julho de 2014

Por Que o Batman Nunca Conseguirá Acabar Com o Crime em Gotham?

(Texto escrito por Roberto Veloso - Presidente LAC-AC)

Recentemente estive estudando em um grupo sobre Análise do Comportamento, juntamente com meus colegas do curso de Psicologia e como não podia deixar de ser, acabamos por abordar o tema do controle aversivo, suas pesquisas mais básicas, alguns aspectos teóricos e implicações sociais. No auge do debate, me surgiu uma pergunta divertida que apresentei para os companheiros de discussão: “por que o Batman nunca conseguirá acabar com o crime na cidade de Gotham?”.

Hoje em dia é comum qualquer pessoa conhecer o personagem das histórias em quadrinhos que fez sua primeira aparição na edição 27 da revista Detective Comics, em 1939, vestido em um “uniforme” com aspectos de morcego e que transitava pela calada da noite nos locais mais perigosos da cidade de Gotham combatendo o crime através das próprias mãos. Chamado de Batman, o Homem Morcego, pelas autoridades e pela mídia, nós, leitores dessas histórias, inevitavelmente descobrimos que o Homem Morcego é, na verdade, o bilionário e playboy Bruce Wayne, órfão herdeiro da família Wayne. Os pais de Bruce foram assassinados em sua frente e, traumatizado, ele jurou combater o crime e limpar Gotham da violência, da injustiça e da corrupção.

Os quadrinhos tornaram-se populares na primeira metade do século passado e o personagem morcegudo entrou para a cultura popular, ganhando uma icônica série televisiva na década de 60 (tchã-na-na-na-na-na-na-nam, tchã-na-na-na-na-na-na-nam... BATMAN!), quatro filmes entre 1989 e 1997, e, recentemente, uma excelente trilogia conduzida por Christopher Nolan. Isso sem falar no sem número de desenhos animados, brinquedos e toda uma parafernália midiática. Além, claro, das revistas em quadrinhos que continuam sendo publicadas até hoje.
Batman é, portanto, um homem uniformizado de maneira peculiar que combate o crime de sua cidade com suas próprias mãos, utilizando-se de recursos tecnológicos de ponta para atingir seus objetivos. Mas não apenas isso, ele também tornou-se conhecido por usar o medo como ferramenta de combate ao crime. Conforme suas ações foram se tornando famosas em Gotham, mais e mais criminosos começaram a temer esse vigilante, bem como seu símbolo, o morcego.

E por que, então, ele nunca conseguirá acabar com o crime em Gotham?

Bem, como se trata de um personagem fictício numa cidade fictícia, muitas respostas mais ou menos adequadas podem ser formuladas para essa pergunta. A que nos divertiu naquela discussão foi que as estratégias de combate ao crime utilizadas pelo Homem Morcego são exclusivamente punitivas. Ele circula pela cidade à noite, e, quando dá o flagrante num criminoso, cobre o indivíduo de porrada para depois chamar a polícia. Por “princípios morais” ele não usa armas de fogo e nem mata suas vítimas, mas seus anos de treinamento em artes marciais lhe dão a habilidade de machucar gravemente os bandidos em que coloca as mãos.
Bater, agredir e machucar tendem a ser, na extrema maioria das vezes, formas de punir certos comportamentos. Punição, como sabemos, trata-se da apresentação de algum estímulo aversivo contingente a uma determinada resposta e cujo efeito é a suspensão daquela resposta. Punição, portanto, não é um objeto, mas um evento, um processo.

Skinner nos apresentou em seu livro Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/2003) algumas das características da punição. Ela não diminui a frequência do  comportamento, mas suspende o responder, ou seja, uma criança punida por seu pai que a pegou quebrando copos, irá parar imediatamente de quebrar os copos, mas é bem provável que volte a fazê-lo quando o pai não estiver olhando. Em outros termos, punição não elimina comportamentos aprendidos, não os apaga e nem os “deleta” da pessoa.

Outro aspecto da punição apresentado por Skinner (1953/2003) é que ela não nos ensina a fazer “a coisa certa”, mas a evitar ser punido. A criança do exemplo anterior poderia aprender bem rápido a evitar o pai quando estiver brincando, e, se fosse punida em diversas situações diferentes, a até mesmo evitar sempre seu pai. Infelizmente não nos é raro os casos de motoristas que colocam o cinto de segurança apenas quando veem os postos de vigia da Polícia Rodoviária, e isso também é um exemplo de como a punição nos ensina a evita-la.

Combinados, esses dois aspectos criam uma situação lamentável no comportamento de um organismo punido, uma vez que os eventos punitivos suspendem não apenas a resposta que os produziu, como também todas as outras coisas que a pessoa está fazendo ao ser punida. A criança do primeiro exemplo para de quebrar os copos ao mesmo tempo que para de fazer qualquer outra coisa. Assim, ao ser punida, uma pessoa tanto para de fazer tudo o que estava fazendo como tende a se esforçar para evitar tudo aquilo relacionado com o episódio punitivo. Se isso se repetir com frequência, poderemos observar alguém se tornando cada vez mais quieto, cada vez mais ansioso, cada vez mais preocupado não com aquilo que precisa fazer, mas com tudo que precisa evitar de fazer.

O Batman, como vimos, é um agente punitivo para os criminosos de Gotham que cruzam seu caminho. É um agente punitivo no sentido de que ele aplica punições através da agressão e violência nos bandidos que flagra. Pune tanto positivamente ao agredir, quanto negativamente, ao prendê-los até que os policiais cheguem. O que ele acaba por fazer, no entanto, não ensina suas vítimas como agir “adequadamente”. As ensina, isso sim, a fazer de tudo para evita-lo. A presença e atuação de Batman, na cidade de Gotham, não diminuiu em nada a quantidade de criminosos (pelo contrário, aumenta). E, em número maior, foi possível observar um terceiro aspecto dos episódios punitivos que os cientistas chamaram de “contracontrole”.

Contracontrole nada mais é do que os esforços de um organismo punido em interferir com os eventos que o punem. Vemos isso acontecendo quando um animal agredido ataca seu agressor, ou quando um povo se revolta contra um governo e assim começam uma guerra civil. Em Gotham, a presença de Batman desencadeou o aumento de criminosos tanto quanto a sofisticação do crime. Começaram a surgir vilões, supercriminosos profissionais, cada um com estratégias mais mirabolantes que os outros, que levam ao Homem Morcego a também se esforçar para captura-los e, assim, criou-se um círculo comportamental vicioso. Círculo esse que nos remete ao problema colocado no início do texto: se as coisas continuarem como estão, não haverá fim para o crime em Gotham.

Chegamos a discutir, nessa ocasião, o que Bruce Wayne poderia fazer para ser mais eficiente em sua tarefa. Alguns dos colegas sugeriram que ele investisse sua fortuna em educação de qualidade e de fácil acesso para toda a população, enquanto outros defenderam que além disso, seria interessante que ele usasse sua fortuna para proporcionar educação artística e oportunidades de lazer para a população economicamente fragilizada. Uma terceira sugestão foi criar de empregos com boas condições de remuneração. (Curiosamente ninguém mencionou a criação de hospitais de atendimento público; talvez porque a família Wayne já seja famosa por suas atividades filantrópicas em Gotham).

Pessoalmente, acredito que todas essas três sugestões seriam muito mais eficazes do que a cruzada de vingança e violência promovida por Bruce quando ele veste seu uniforme de morcego. Acredito nisso porque em todas as situações que vi, li ou ouvi falar, nas quais o uso de punição foi substituído pelo reforço positivo (a apresentação de consequências a uma resposta e que aumentam sua frequência) os resultados mostraram-se não apenas mais eficazes, como promoveram algum nível de “saúde psicológica” apreciável. Com a notável exceção do personagem chamado Coringa… mas esse merece uma análise inteira só pra ele.

Nos exemplos citados anteriormente, é provável que o pai daquela criança conseguisse que ela não quebrasse copos (e outras coisas) se gastasse algum tempo brincando com seu filho se ele não quebrasse nada, ao invés de dar atenção para ele, através de ameaças verbais ou físicas, apenas quando ele faz algo inadequado. No outro exemplo, já não é incomum a discussão de que mais acidentes e infrações da legislação de trânsito seriam evitadas se os motoristas recebessem “pontos na carteira” ou outros benefícios quando fossem “pegos” seguindo as regras de trânsito ao invés de apenas perderem esses pontos e benefícios quando infligem as leis. Já ouvi, inclusive, colegas propondo dar “estrelas” para os motoristas, tal como se faz com as crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

Essas discussões sobre universos fictícios e seus habitantes tão fictícios quanto, mostraram-se um exercício de raciocínio divertido, utilizando os princípios comportamentais que estávamos estudando e debatendo. O Batman foi pego como exemplo porque suas histórias deixam os eventos punitivos bastante evidentes, mas seria possível fazer o mesmo com muitos outros super-heróis e outros personagens (fico imaginando questões semelhantes para o Homem de Ferro e até mesmo para gênios como Reed Richards, do Quarteto Fantástico, ou figuras políticas importantes como Namor, Príncipe de Atlântida).

Em certa medida, também percebi que esse jeito divertido de discutir a punição, suas implicações e alternativas também se mostrou bastante interessante para analisarmos as condições sociais nas quais vivemos. Claro que não temos Batmans ou equivalentes nas nossas cidades, mas é de uma infeliz frequência que vemos as autoridades lidando de maneira punitiva com o comportamento das pessoas. Que até mesmo histórias em quadrinhos refletem certos aspectos sociais já é algum consenso, mas que o conhecimento científico elaborado pela Análise do Comportamento serve para entendermos o comportamento tanto de personagens fictícios quanto situações reais é algo que precisa ser mais explorado e melhor aproveitado.



quinta-feira, 17 de julho de 2014

"Faça o que eu digo, e não o que eu faço": Por que é tão difícil exercer autocontrole?


         (Texto escrito por Juliana Ribeiro - membro LAC-AC)

          Analistas do comportamento ou não, todos já tentamos mudar hábitos e controlar nosso próprio comportamento para obter benefícios como melhorias na saúde, em produtividade, ou mesmo em relações sociais. Resoluções de ano novo, e os primeiros dias ou até semanas de um novo ano, em que um indivíduo comporta-se (pelo menos em certa medida) em função de determinado objetivo estabelecido, são bons exemplos de tais tentativas.

Ao nos tornarmos familiares com princípios comportamentais como o papel de contingências de reforço na manutenção de um comportamento, bem como com a prática de análises funcionais de comportamentos, é comum que queiramos não só descobrir quais são as variáveis controladoras de nossos comportamentos, como também manipular algumas dessas variáveis de modo a obter certos reforçadores - como uma melhor forma, melhor rendimento acadêmico ou profissional, menos dívidas, entre outros. Tal manipulação de variáveis, em que um indivíduo modifica determinados aspectos do ambiente de modo a alterar o próprio comportamento, é denominada autocontrole (Skinner, 1953); exercer autocontrole é comportar-se, modificando variáveis das quais o comportamento é função de modo a tornar mais provável um comportamento desejado (Skinner, 1953, 1974).

De acordo com Skinner (1953), um indivíduo tende a controlar o próprio comportamento quando uma resposta tem consequências que provocam conflitos - ou seja, que produzem reforçadores tanto positivos quanto negativos. Um exemplo é o comportamento de fumar: enquanto fumar um cigarro pode produzir reforçadores positivos como relaxamento, a longo prazo tal comportamento leva a estímulos aversivos - problemas de saúde como câncer de boca e pulmão. Martin e Pear (2011) também indicam a presença de conflitos como causas de problemas de autocontrole. De acordo com os autores, no caso de excessos comportamentais, o conflito geralmente envolve reforçadores imediatos para determinado comportamento, concorrentes com estímulos aversivos atrasados ou com outros reforçadores atrasados. O exemplo citado anteriormente, do comportamento de fumar, se aplica ao primeiro caso - os reforçadores imediatos do fumar concorrem com consequências aversivas cumulativamente significantes. Em relação ao segundo caso, um outro exemplo poderia ser uma pessoa que gasta uma grande quantia de dinheiro com algo supérfluo - enquanto comprar determinada mercadoria pode trazer reforçadores imediatos, ao deixar de fazer a compra a pessoa teria a quantia de dinheiro disponível futuramente. Já em relação a déficits comportamentais, os conflitos envolvem pequenos punidores imediatos concorrentes com reforçadores cumulativamente significantes - um exemplo é o comportamento de exercitar-se: reforçadores como melhoria na saúde e na forma corporal concorrem com punidores imediatos como cansaço e desconforto. Ainda em relação a déficits comportamentais, os punidores imediatos podem concorrer com punidores atrasados mais significantes no caso de o comportamento não ocorrer - por exemplo, usar um capacete ao andar de moto pode ser quente e desconfortável, mas no caso de um acidente não usar um capacete pode levar a lesões sérias, consequências aversivas muito mais significativas do que o desconforto imediato.

Como, então, podemos modificar nosso próprio comportamento de modo que ele seja controlado por determinadas variáveis do ambiente e não outras? Skinner (1953) e Martin e Pear (2011) mencionam diversas táticas de autocontrole. Algumas dessas táticas envolvem mudanças no ambiente imediato - por exemplo, estudar em uma biblioteca ou em um escritório de maneira a aumentar a probabilidade de estudar e diminuir a probabilidade de distrair-se. Mudanças ainda podem referir-se a outros estímulos antecedentes, como outras pessoas - por exemplo, uma pessoa tentando parar de fumar pode passar mais tempo com pessoas não-fumantes - ou a hora do dia - por exemplo, estudar pode ser mais produtivo de manhã, quando há menos estímulos que possam causar distração. No caso de um excesso comportamental, o ambiente pode ser manipulado de modo que o custo para emitir o comportamento problema seja aumentado, diminuindo a probabilidade de sua ocorrência. Estratégias de autocontrole ainda podem envolver a manipulação das consequências de determinado comportamento: o comportamento de fumar, por exemplo, é mantido não só pelos reforçadores providos pelo cigarro, mas também por reforçadores condicionados como interações sociais com outros fumantes; assim, uma tática de autocontrole direcionada às consequências do comportamento consiste em eliminar reforçadores condicionados que possam fortalecer um comportamento problema. Outra tática é providenciar para que um indivíduo engajado em autocontrole receba reforçadores de acordo com o seu progresso - os reforçadores, nesse caso, podem ser gerenciados tanto por outras pessoas quanto pelo próprio indivíduo.

Dadas as táticas mencionadas acima, é possível concluir que certo conhecimento em análise do comportamento pode conferir a um indivíduo a possibilidade de controlar o próprio comportamento de maneira eficaz. Entretanto, esse nem sempre é o caso - como muitos já sabem por experiência própria, controlar o próprio comportamento sistematicamente de maneira a atingir certo objetivo pode ser difícil. Uma das causas de tal dificuldade é que, muitas vezes, o próprio indivíduo gerencia reforçadores a si mesmo; o autocontrole é dificultado pelo fato de que nesse caso o acesso ao reforçador não está restrito ao seu progresso em relação ao comportamento desejado, estando disponível a qualquer momento e não necessariamente contingente a determinado comportamento. Martin e Pear (2011) mencionam outras causas de recaídas em programas de autocontrole, incluindo falha ao antecipar estímulos que podem levar a recaídas (geralmente estímulos condicionados relacionados ao comportamento problema), falhas na especificação da resposta, incluindo objetivos vagamente descritos ou muito ambiciosos, ou falhas ao prover reforçamento contingente ao comportamento desejado. A identificação de fatores que possam interferir em um programa de autocontrole já indica possíveis precauções que podem ser tomadas de modo a desenvolver autocontrole de maneira eficaz: antecipar estímulos que possam levar a uma recaída, planejando possíveis cursos de ação; estabelecer um objetivo claro e realista, especificando critérios indicativos de que o objetivo foi cumprido, e planejar reforçadores frequentes e contingentes ao comportamento desejado e, se possível, incluindo a administração de reforçadores por outro indivíduo.

Apesar de o próprio planejamento sistemático para o desenvolvimento de autocontrole ser caracterizado por um alto custo de resposta, é justamente o planejamento que leva ao sucesso do programa, aliado às estratégias provenientes dos princípios analítico-comportamentais. É possível concluir que, apesar do custo de resposta, o planejamento de um programa de autocontrole orientado pela análise do comportamento seja reforçado pelo seu sucesso, proporcionando benefícios ao indivíduo que controla o próprio comportamento.
Referências
Martin, G., & Pear, J. (2011). Behavior Modification: What It Is and How To Do It (9th Edition). Upper Saddle River: Prentice Hall.
Skinner, B. F. (1974). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 2006.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Depressão e incontrolabilidade na Análise do Comportamento

(Texto escrito por Cindy Vaccari - UFPR - Secretaria LAC-AC)

Quanto mais você estuda Análise do Comportamento, mais claro fica um princípio que nem sempre é visível no cotidiano: todo comportamento possui uma função. E quando escrevo “todo comportamento”, estou sendo literal: são todos eles. Não apenas aqueles que parecem “normais” e, porque não, “positivos”, mas também aqueles que parecem “anormais” ou “negativos”. Cabe aqui uma explicação: julgamos comportamentos embasados no que aprendemos em nossas histórias de vida, com as instituições sociais com as quais entramos em contato (nossa família, instituições religiosas, sistema educacional) e, de forma geral, com a própria sociedade na qual estamos inseridos, através de suas práticas culturais.

Quando a AC diz que os comportamentos se mantêm por serem funcionais, então esse julgamento descrito perde parte de sua lógica. Um comportamento não pode ser definido como anormal ou negativo, pois ele é funcional no contexto em que está inserido. Também é a partir desse viés que a AC entende as psicopatologias descritas em manuais diagnósticos, como a CID (Classificação Internacional de Doenças) e o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Embora esse não seja exatamente o foco do presente texto, é interessante destacar que, de um ponto de vista analítico-comportamental, as psicopatologias são comportamentos que estão sendo reforçados em determinado contexto, e que, sim, possuem função.

Assim, o objetivo de uma psicoterapia embasada em princípios de AC não está em descrever e classificar os comportamentos de, por exemplo, uma depressão. Um analista do comportamento irá além da descrição: a ideia é que a história do indivíduo seja analisada, e que seus comportamentos – aqueles que podem ser chamados de depressão – possam ser compreendidos dentro de seu contexto. O que mantém as “respostas de depressão”, como humor deprimido, diminuição de interesse em atividades que antes eram prazerosas, insônia, etc., são diferentes para cada pessoa, de modo que não há uma estratégia única para se lidar com tais questões em um contexto clínico.

Embora, como dito, todos os comportamentos precisem ser analisados dentro de seus contextos, existem leis do comportamento que formam certos padrões. Ao se pensar na depressão, como no exemplo acima, há um modelo experimental chamado “desamparo aprendido” que, de acordo com Hunziker e Samelo (2012), não somente “imita” as mudanças comportamentais encontradas na depressão, mas também cria alterações neuroquímicas semelhantes às de indivíduos deprimidos. Em um artigo de 1976, Maier e Seligman apontam que o desamparo aprendido causa efeitos motivacionais, cognitivos e emocionais.

Mas o que é o desamparo aprendido? Sanabio-Heck e Motta (2005) descrevem que ele ocorre quando há relações de independência entre os eventos do ambiente e as respostas do indivíduo. Ou seja, o indivíduo não tem controle sobre o que ocorre em sua própria vida. Maier e Seligman (1976) utilizam uma metáfora, explicando que, nessas situações, o comportamento tem 50% de chances de ser reforçado, e 50% de chances de não ser reforçado, o que caracteriza o fenômeno da incontrolabilidade.

A partir dessa descrição, é possível pensar em um exemplo que torne a incontrolabilidade mais clara. Podemos analisar o comportamento de uma criança que vive somente com sua mãe, sendo que essa mãe possui diversos problemas não estão relacionados ao seu filho, mas sim ao trabalho. Esses problemas de trabalho ocupam grande parte de seu dia, e, ao chegar em casa, ela trata o filho de acordo com seu humor na ocasião. Se os problemas não parecem graves e ela se sente feliz, o filho é mimado, recebe carinho, etc.; porém, se os problemas foram difíceis de lidar, ela pune o filho, o colocando de castigo por qualquer motivo, o negligenciando, etc. Ainda que a mãe esteja sob controle de certos estímulos (ou seja, seu comportamento possui uma função no contexto em que está inserido), isso gera efeitos em seu filho, pois ele está em um ambiente incontrolável. O filho pode agir de forma desejável ou indesejável de acordo com as regras estabelecidas (por sua mãe ou por outros indivíduos), mas as consequências não ocorrerão de acordo com o comportamento dele. Dizer isso não significa afirmar que o filho jamais saberá como se comportar diante de sua mãe: ele aprendeu que, em determinados momentos, tem maior probabilidade de receber atenção ou carinho da mãe, e em outros, tem maior probabilidade de ser punido. Mas, na maior parte do tempo, ele não é capaz de compreender essas sutilezas existentes no comportamento dela, de forma que, no geral, seu relacionamento com ela é pautado na incontrolabilidade.

Diversas consequências podem decorrer de um ambiente incontrolável; uma das principais é que o indivíduo para de se comportar. Outros efeitos se relacionam com a dificuldade de adquirir respostas de fuga ou esquiva (ou seja, diante de um estímulo que sinaliza uma punição, o indivíduo não é capaz de se comportar de forma a evitar essa punição), além de dificuldade para aprender novos comportamentos (Sanabio-Heck e Motta, 2005).

Hunziker e Samelo (2012) destacam que o efeito da incontrolabilidade não está diretamente ligado ao ambiente aversivo; no caso do nosso exemplo, o problema não está necessariamente na punição aplicada pela mãe, e sim no fato de que ela não corresponde ao comportamento do filho. Ao emitir um comportamento qualquer, o filho não terá sempre a mesma consequência produzida por sua mãe, mas entrará em contato com consequências variadas que produzem diferentes efeitos em seu comportamento. Uma criança que cresce em um ambiente como esse pode não aprender que, em outros contextos, ela pode ter acesso a outros reforçadores; ou seja, diante de pessoas diferentes, como professores, amigos e outros familiares, ela pode se comportar de forma que eles o elogiem, dêem atenção, etc. Esse padrão comportamental pode, então, ser encarado de forma “anormal” ou “negativa”, como citado no início do texto.

Obviamente, como já explicitado, cada indivíduo possui sua própria história de vida. Quando um padrão semelhante ao descrito aparece na clínica, o psicólogo não deve presumir que ele provém de uma história de incontrolabilidade. Por exemplo, uma pessoa que possua comportamentos que caracterizem uma depressão pode agir assim porque essa é a maneira pela qual ela pode receber a atenção das pessoas do seu contexto social. Isso pode fazer com que o profissional fique procurando “dicas” na história do sujeito, sem ficar atento a outros fatores importantes e que pode realmente facilitar a análise daquela situação particular. Ao mesmo tempo, saber que tal efeito comportamental existe, é relevante, e, nessas situações, o processo de psicoterapia é fundamental. Ela pode ensinar o sujeito a discriminar os ambientes na qual está inserido, e, também, pode ensinar que, dado o contexto, tal sujeito possui mais ou menos controle das variáveis com as quais entra em contato, podendo manipulá-las para ter mais acesso a reforçadores e, assim, sentir-se mais feliz.

Referências
     Hunziker, M. H. L. & Samelo, M. J. (2012). Controle aversivo. Em N. B. Borges, & F. A. Cassas (Eds.), Clínica analítico-comportamental (pp. 49-63). Porto Alegre: Artmed.
     Maier, S. F. & Seligman, M. E. P. (1976). Learned helplessness: Theory and evidence. Journal of Experimental Psychology: General, 105(1), 3-46.
     Sanabio-Heck, E. T. & Motta, K. G. S. (2005). Desamparo aprendido. Em J. Abreu-Rodrigues, & M. R. Ribeiro (Eds.), Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp. 81-98). Porto Alegre: