Hey! Novidades na LAC... Segue o título dos grupos de estudos que serão organizados no segundo semestre deste ano:
Mais informações como dias, horários, obras utilizadas e inscrições... Em breve!
LAC-AC
LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento
quinta-feira, 29 de maio de 2014
Frases clichês de auto-ajuda consideradas pela Análise do Comportamento
Texto escrito por Marjorie Wanderley (UFPR, Assessoria de Comunicação LAC-AC)
As frases
de auto-ajuda dificilmente são mentiras descabidas, ou não-aplicáveis no
cotidiano. Muito pelo contrário, várias delas dizem respeito a como as coisas
acontecem de fato, porém, recebem uma interpretação lugar-comum, o que acarreta
na falta de credibilidade que recebem. Esse texto consiste em uma tentativa de
analisar segundo os princípios da Análise do Comportamento cinco frases de
auto-ajuda – todas retiradas do Orkut de
sites motivacionais.
“Nada
na vida é somente bom ou somente ruim, nem amar...”
Parece
que aprendemos a separar todas as coisas na vida em caixinhas de ‘bom’ e
‘ruim’. Qualquer frase que seja taxativa do tipo X sempre vai ser bom e Y
sempre vai ser ruim toma reforço e punição de uma maneira errada – quando
começamos a estudar Análise do Comportamento, temos a impressão de que reforços
são coisas boas e punições são coisas ruins. No entanto, reforço
e punição não são definidos como “bom” e “ruim” respectivamente, e não dependem
de sensação de prazer ou desprazer, e sim se a taxa de respostas do mesmo tipo
vai aumentar ou diminuir. Portanto, algo ser bom ou ruim para um indivíduo
específico vai depender de sua história filogenética, ontogenética e cultural (explicado melhor nesse texto). Já que o assunto
são frases de auto-ajuda clichês, Pedro Bial provavelmente está certo quando
diz “Quer saber de uma coisa? Tudo pode ser bom, ruim (...) Bom é amar, ruim é
amar (...) E pode ser bom falar sobre bom e ruim, e pode ser pior assim”.
“Nem
tudo que parece, é”.
Outra
coisa que aprendemos na Análise do Comportamento, principalmente quando
começamos a estudar clínica, é estar atento à função dos comportamentos – isso
significa que frente ao comportamento de outra pessoa, por exemplo, quando o
cliente pede o número do celular ou adiciona no Facebook não existe a atitude
‘certa’ ou ‘errada’, mas tudo depende da função do comportamento – ou seja, o
que a outra pessoa quer com isso, qual foi o antecedente para o comportamento
dela e qual é a consequência que ela espera. Isso pode ser generalizado para as
demais coisas da vida no que diz respeito às relações interpessoais – frente a
atitudes das outras pessoas, e principalmente para aquelas que não entendemos,
é interessante não nos limitarmos à topografia do comportamento (porque
lembrem, nem tudo o que parece, é), mas sim devemos descobrir qual é a função
daquilo, e a partir daí fica mais fácil de decidirmos qual resposta emitir,
inclusive.
“Está
tudo sob controle!”
Inclusive
nós! Essa frase nunca fez tanto sentido como na Análise do Comportamento –
nosso comportamento, ou seja, tudo o que fazemos, está sob controle de
determinadas condições, dos antecedentes do comportamento e de suas
consequências (atenção – o que não significa que está tudo determinado – papo
para outra hora...). Sendo assim, estamos sempre sob controle de estímulos, ou
seja, o comportamento é controlado pelo contexto no qual ele ocorre, e também
pelas suas consequências, já que as consequências determinarão, em algum grau, a
ocorrência posterior daquele comportamento com maior ou menor frequência.
“O
segredo é não correr atrás das borboletas… É cuidar do jardim para que elas
venham até você”
Essa
frase parece dizer respeito a criar condições para que um determinado comportamento
aconteça, ao invés de forçar sua evocação. Em uma linguagem metafórica, seria
não sair caçando borboletas com uma rede, mas sim plantar flores no jardim e
esperar que as borboletas venham – as flores seriam estímulos discriminativos e
plantar as flores seriam comportamentos facilitadores para a ocorrência de
outros comportamentos. Um exemplo literal seria sair de casa ao invés de ficar
na cama, em um caso de depressão, o que geraria um contexto para ocorrência de
reforçadores como falar com alguém legal ou conhecer um bom lugar – seria não
buscar especificamente um determinado reforçador, ainda mais quando não sabemos
exatamente o que nos reforça, mas sim criar condições facilitadoras, já que o
contexto social cria condições para a ocorrência de determinados reforçadores.
Pode
dizer respeito, também, a utilizar controle por reforçamento positivo ao invés
de controle coercitivo - e nesse sentido, plantar as flores seria reforçar
positivamente o comportamento de as borboletas (ou o que quer que seja) virem,
e caçá-las com a rede seria controle coercitivo, ou seja, controlar o
comportamento de uma forma aversiva através de reforçamento negativo ou
punição. Como nós conhecemos muito bem os efeitos do controle coercitivo...
cultivemos nossos jardins!
"Creia
na força do Pensamento Positivo"
Dizem
por aí que basta pensar positivo para que tudo ao nosso entorno se transforme.
A literatura de autoajuda chama esse fenômeno de "lei da atração". Do
jeito como é dito, parece que os pensamentos são coisinhas magnéticas que
atraem coisas boas para nossa vida. Porém, segundo a Análise do Comportamento,
pensamentos não possuem capacidade de atrair magneticamente e nem são a causa
inicial de nada - já que a causa deve ser buscada na interação com o ambiente. Sendo assim... Isso quer dizer que essa frase é besteira? Não. Pensamento é
comportamento, é um evento privado – e este tipo de comportamento pode alterar
estímulos que aumentam a probabilidade da ocorrência de um evento. Por exemplo,
quem pensar positivamente sobre achar uma nota de R$50,00 na rua tem mais
chances de realmente achar, mas não porque atraiu magneticamente a nota, e sim
porque provavelmente passou a andar na rua olhando mais para o chão, logo,
aumentou suas chances de encontrar a nota. Como o pensamento é um
comportamento, também está sujeito às suas consequências, e por “pensamentos
positivos” terem essa característica provavelmente serão reforçados, logo...
creia em sua força!
"Aquilo
que consome sua mente controla sua vida"
domingo, 25 de maio de 2014
Altruísmo na ótica da Análise do Comportamento
Durante o nosso
desenvolvimento de pequenos organismos, ou crianças, com determinadas classes
de comportamentos, até o momento em que nos tornamos grandes organismos, ou
adultos, com aquelas classes de comportamentos acrescidas de outras e mais
outras, muitas vezes nos deparamos com a ideia de que é bom fazer o bem aos
outros sem esperar nada em troca. A pessoa que executa determinadas atividades
de bom grado e sem ter a pretensão de ser recompensada por isso é comumente
conhecida como altruísta ou “bom samaritano”.
Ora, primeiramente podemos nos atentar para o
fato de que, de certa forma, esse comportamento, falando aqui muito
genericamente, de “ser bom com os outros” não é apresentado a troco de nada. A
ideia de que a expectativa dos indivíduos seja por uma recompensa física, como
dinheiro ou outro bem material, faz sentido no senso comum, porém é uma
justificativa incompleta quando pensamos sob a ótica analítico-comportamental.
Na Análise do Comportamento, para que uma
determinada resposta ocorra (no caso, o ato altruísta) é necessário um estímulo
que a anteceda, afinal, para haver uma resposta deve existir algo para ela
responder, digamos assim. Além disso, uma resposta não ocorrerá ao acaso, visto
que é também importante haver uma consequência a ela relacionada. Apesar de
geralmente entendermos, como havia dito antes, que a recompensa de algo deve
ser palpável, não devemos esquecer que um reforçamento não necessita ser
efetuado em forma de um objeto; ou seja, muitas vezes o ato de elogiar o comportamento
altruísta de alguém é reforçador, o que explicaria o fato de essa pessoa
repetir esse comportamento.
Outra coisa que muitas vezes foge aos nossos
olhos é o fato de que, para diferenciar uma ação de um comportamento, deve
haver uma função. É importante ter em vista o que antecede o comportamento de
ajudar o outro, ainda que soe bastante abstrato defini-lo dessa maneira.
Imaginar que um reforçamento social puro e simples não influencia grandemente
nesse tipo de atitude é ignorar variáveis significativas.
Com essa brevíssima reflexão não tenho o intuito
de diminuir as pessoas que consideram esse tipo de comportamento importante ou
apontar para quem se denomina altruísta e dizer que, na verdade, ela ou ele
está sob controle de alguma coisa considerada egoísta, e muitas vezes alguns
atos que se julga de um bom samaritano são motivados pela imagem que a pessoa
terá perante o resto do seu grupo de convivência, isto é, que a pessoa só
apresentará comportamentos julgados altruístas diante do olhar de outrem ou a
fim de que seja vista como alguém bom.
Esse tipo de comportamento que estamos
observando e analisando rapidamente está atrelado a uma cultura, que pode ser
apenas um grupo pequeno ou toda uma sociedade mais complexa, e será selecionado
de acordo com um valor de sobrevivência, como denomina Skinner – como um amigo
comentou, é o comportamento altruísta que sustenta a existência da nossa
sociedade, e possivelmente essa é uma das razões para que continuemos a
reforçar comportamentos classificados como altruístas.
Vale lembrar que o fato de uma pessoa altruísta
não executar o que se entende por ato altruísta – ou seja, o não esperar algo
em troca – torne esse mesmo comportamento digno de reprovação ou que se deva
suprimi-lo de alguma forma. Ainda há como resultado uma melhora para uma
segunda pessoa (ou pessoas), e é por isso também que há uma seleção desses
comportamentos. A finalidade dele, que seria o fazer o bem ao próximo, é uma
das consequências, e portanto é ela também um dos reforçadores.
O exemplo de uma mãe que cuida bem do seu filho
mostra como um comportamento altruísta traz o benefício pessoal para quem o
apresenta e para o alvo desse comportamento, por assim dizer.
Se pensarmos que existem três níveis de seleção
– filogenético, que diz respeito à espécie e comportamentos selecionados pela
sobrevivência de seus membros; ontogenético, relativo aos comportamentos no
âmbito de um indivíduo, à história de vida dele; e cultural, fruto das
interações entre os organismos e com comportamentos que terão valor de
sobrevivência não para apenas a espécie em si, mas para a estrutura social
vigente – e que uma interação mãe-filho diga muito sobre comportamentos do
primeiro nível de seleção, esse altruísmo não é algo apenas aprendido para
benefício próprio, ainda que pareça apenas auxiliar os demais. Não se espera
uma troca de favores em determinadas relações sociais, entretanto o fato de
presenciar a alegria alheia já faz com que a pessoa deseje realizar mais atos
semelhantes àquele, diferentemente de uma pessoa egoísta.
O fato de existirem três diferentes níveis de
seleção implica que as sociedades, que podem ter origens diversas tanto
estrutural quanto geograficamente, apresentarão diferenças nos comportamentos
selecionados ao longo de seu desenvolvimento, ainda que com o advento da
globalização haja maior convergência entre práticas culturais, por exemplo.
Essa análise sobre o altruísmo se aplica focalmente em uma sociedade ocidental,
com valores determinados.
Por enquanto esse tipo de comportamento tem
funções importantes na manutenção da nossa sociedade como a entendemos, e,
aparentemente, teve por um longo tempo antes dos organismos atuais colocarem
seus pés nesse mundo. Contudo, não podemos afirmar com certeza se essa prática
continuará a ser selecionada ao longo das gerações, ou se sua função acabará
mudando no fim das contas; e, assim, nos depararmos com comportamentos de ser
egoísta, de ter finalidades diferentes do comportamento de ser altruísta. Pelo
visto essa dicotomia continuará despertando a curiosidade e o debate por
bastante tempo.
terça-feira, 13 de maio de 2014
Por Favor, Uma Xícara de Café, Sem Açúcar, Mas Com Bastante Neurociência. E um pedaço de Análise do Comportamento, pra acompanhar.
por Bruno Tonet
(graduando em Psicologia pela UFPR, Diretor de Projetos da LAC-AC)
(graduando em Psicologia pela UFPR, Diretor de Projetos da LAC-AC)
e Roberto Veloso
(graduando em Psicologia pela UFPR, Presidente da
LAC-AC)
A cafeína, ou, para os mais íntimos, 1,3,7-Trimetilxantina, pode ser encontrada em chás, alguns tipos de chocolates, bebidas específicas para controle de peso ou para melhoramento do desempenho de atletas, e até mesmo em cápsulas ou remédios, além, é claro, do próprio café (semente ou bebida), aparecendo em cada uma dessas fontes em diferentes quantidades. Seu uso, de maneira geral, está associado aos seus efeitos estimulantes que produz no sistema nervoso central (SNC) e no músculo cardíaco, que trazem uma sensação de “aumento de energia”.
Mas o café (e
por assim dizer também a cafeína), não é só isso. O sabor característico, o
aroma e o modo de preparo também são aspectos importantes para quem gosta de
uma xícara de café, ou, para quem não gosta tanto assim, de um copo de chá
gelado ou de determinados refrigerantes. Isso sem falar de como os momentos em
que tomamos café também acabam se tornando de alguma maneira marcantes. O café
da manhã é uma evidência por si só a esse respeito, mas também o são o
cafezinho depois do almoço, o café da tarde e aquele cafezinho na casa do amigo
(desculpa óbvia e elemento que não pode faltar para uma visita). Não nos será
necessário entrar em detalhes histórico-econômicos para percebermos que o café
é uma bebida importante para nós, brasileiros.
Trazendo para
um cenário mais próximo da nossa vida acadêmica, geralmente usamos a cafeína,
contida em uma deliciosa xícara de café, para fazer os estudos renderem mais,
para ficarmos mais tempo acordados e conseguir cumprir as metas estabelecidas.
Ao ler isso, nos deparamos com a seguinte questão: “Então tomar uma, duas ou
três xícaras de café envolveria, em alguma medida, uma alteração no ambiente no
qual estou ou estamos nos comportando?”. Poderíamos classificar essas “xícaras
de café” do mesmo modo que classificamos uma alteração ambiental de iluminação
para ler melhor os textos, a discriminação de estímulos importantes para se
estudar uma matéria complexa, quantidade necessária de material de estudos na
mesa para suprimir os “estímulos indesejados” ou que não influenciem na
evocação do comportamento de estudar? Guardemos essas questões para logo
adiante.
Quando a cafeína
é consumida (administrada) oralmente, sofre rápida absorção no trato
gastrointestinal e leva cerca de 60 a 90 minutos para atingir seu pico
plasmático e exercer suas funções fisiológicas “máximas” (Ruxton, 2008; Lima et
al. 2010). Segundo Ruxton (2008), o impacto da cafeína no humor e no desempenho
está associado a uma inibição de receptores – adenosina e benzodiazepínico –
cuja função está relacionada a diminuição da atividade cerebral. Ou seja, ao
inibir os receptores que diminuem as atividades cerebrais com a cafeína, temos
um “aumento” da atividade nervosa. Metaforicamente, a cafeína age no cérebro
travando o freio do carro, que assim fica com dificuldades para reduzir a
velocidade. Fredholm e colaboradores (1999), acrescentam a isso que o consumo de
cafeína também causa alterações em alguns neurotransmissores, como a
noradrenalina, dopamina, serotonina, acetilcolina, glutamato e ácido
gama-aminobutirico (GABA), o que nos mostra que a interação cafeína/SNC é ainda
mais complexa.
O que acontece,
entretanto, se começarmos a analisar essas informações através dos estudos da Análise do Comportamento? Como podemos explicar os efeitos da cafeína sobre nossos comportamentos?
Em se tratando
do composto químico, podemos começar especulando que a cafeína funcionaria como
um eliciador de respostas fisiológicas que envolveriam o sistema nervoso
central e o sistema cardiovascular. Isso fica claro quando percebemos que uma
certa concentração de cafeína provoca respostas fisiológicas num organismo, ou
seja, temos uma relação idêntica à dos comportamentos respondentes. Mas é só
isso? Estaríamos limitados a explicar essas alterações comportamentais como uma
relação tão direta assim? Como explicar, por exemplo, o efeito do café que me
deixa acordado durante as madrugadas em que faço os trabalhos para entregar no
dia seguinte? Como explicar?!
Essas questões
são uma boa oportunidade para apresentarmos um assunto às vezes esquecido pelos
professores nas disciplinas introdutórias de Análise do Comportamento: as
operações motivadoras, ou, como preferimos, operações moduladoras, que são
eventos que mudam o efeito de um determinado estímulo sobre o comportamento. Um
exemplo comum é a privação de água, cujo efeito mais percebido no cotidiano é a
sede. Outros efeitos menos percebidos no cotidiano, no entanto, foram muito
estudados por analistas do comportamento, e podemos destacar alguns deles aqui.
Entendê-los pode nos ajudar a também entender a influência do café, e de outras
substâncias, no nosso comportamento.
Efeito 1: para
uma pessoa que está há muito tempo sem beber nada, a água torna-se um estímulo
importante, e qualquer comportamento que disponibilize um copo de água como
consequência tem maiores chances de ser reforçado por esse estímulo. As
operações moduladoras modificam o valor dos estímulos consequentes, aumentando
ou diminuindo seus efeitos reforçadores ou aversivos. É interessante notar
que esse efeito 1 também funciona no sentido contrário: conforme a privação de
água torna tal estímulo importante pra essa pessoa, a remoção desse estímulo
tende a ser mais aversiva para o comportamento. Isso pode parecer óbvio, mas
trata-se de um aspecto importantíssimo, já que responde à pergunta de como um
estímulo pode ser reforçador em um dado momento (quando estou com sede, por
exemplo) e deixar de ser reforçador em outro (depois que bebo bastante água).
Efeito 2: para
uma pessoa que está há muito tempo sem beber água, os comportamentos que
produziram esse estímulo, como consequência, aumentam de probabilidade. As
operações moduladoras acabam por alterar (aumentando ou diminuindo) a
probabilidade de determinadas respostas ocorrerem.É dessa forma que nos
percebemos, por exemplo, pensando em água quando estamos com sede ou até indo
procurar o bebedouro.
Efeito 3: para
uma pessoa que está há muito tempo sem beber nada, um copo de água tem uma
grande probabilidade de evocar qualquer comportamento que leve a beber aquela
água. As operações motivadoras, como se pode perceber, também modificam o
efeito dos estímulos discriminativos sobre nosso comportamento. Basta
comparar a pessoa sedenta que logo bebe um copo de água ao encontrar um pela
frente e a pessoa que já bebeu bastante e, ao ver o mesmo copo de água,
simplesmente o ignora. Em outras palavras, uma pessoa saciada de água não
precisa beber mais, pois suas necessidades fisiológicas estão em um patamar
“normal” quando comparada a uma pessoa que não bebeu água por um tempo
consideravelmente longo.
As operações
motivadoras possuem também outros efeitos interessantíssimos sobre nosso
comportamento, mas deixaremos para abordá-los noutra oportunidade. Esses três que
acabamos de ver já nos ajudam a interpretar como o café afeta nosso
comportamento.
Não parece ser
o caso de que o café exerça os efeitos 1 e 3. Em outros termos, não parece que
quando bebemos café certas coisas tornam-se mais interessantes ou aversivas,
exercendo efeitos reforçadores ou punitivos para determinados comportamentos.
Contudo, se alguém argumentar que o café nos deixa mais eufóricos e depois de
bebê-lo achamos certas tarefas menos chatas, como consequência de uma redução
dos efeitos aversivos, teremos de concordar, pois, como descrito no efeito
2, quando ingerimos o café, há um aumento da probabilidade de um
comportamento aparecer, seguido de uma redução da apresentação ou do valor que
outros comportamentos. O problema é que esse efeito não parece ser intenso
o suficiente para ficar claro numa especulação como esta.
Por outro lado,
o efeito da cafeína no SNC parece aumentar a tendência geral de nos
comportarmos (a pessoa fica animada, serelepe) e/ou diminui o efeito da fadiga
no comportamento, permitindo assim que uma determinada ação possa ser repetida
ou sustentada por um tempo maior, o que explica porque conseguimos nos
concentrar (que é um comportamento operante), ler e enfim terminar o tal do
trabalho que temos de entregar amanhã bem cedo. Esse efeito, de acordo com a
interpretação formulada aqui, aproxima-se do efeito 2 apresentado acima.
O café (mais
especificamente a cafeína) quando ingerido, então, funciona de maneira idêntica
a uma operação motivadora que altera o limiar de fadiga de um organismo. Está
explicado, portanto, como o café afeta nosso comportamento? Loooooonge disso;
muito longe mesmo! Primeiramente, não há consenso a respeito dos efeitos da
cafeína no nosso organismo. Em segundo lugar, são necessárias mais pesquisas na
área comportamental a respeito das interações dessa substância com o
comportamento, uma vez que a maiora das pesquisas focam-se em aspectos
farmacêuticos, deixado de lado processos comportamentais. Por fim, vale a pena
ressaltar que alguns efeitos do café não foram discutidos aqui (tal como não
discutimos todos os efeitos das operações motivadoras).
O que podemos
concluir, apesar dos pesares, é que embora o efeito do café pareça funcionar
semelhante a uma operação moduladora essa semelhança é enganadora já que alguns
aspectos do efeito da cafeína sobre o comportamento ficariam de fora dessa
semelhança. Tal problema nos leva diretamente à questão: são as drogas
operações moduladoras para o comportamento? Se sim, precisamos revisar esse
conceito. Se não, precisamos explicar como drogas e comportamento interagem. E
isso tudo sem recorrer à mentalismos ou outras ficções explicativas, ok?
Pensando por
outro lado, ainda que não tenhamos chegado a conclusões que respondessem
definitivamente nossas perguntas, essa consideração dos efeitos da cafeína no
comportamento mostra de certa forma como o diálogo entre neurocientistas e
analistas do comportamento pode ser produtivo para ambas as áreas do
conhecimento e que, ao contrário do que alguns pensam, ele é possível e muito
divertido.
Resistiram
algumas perguntas: por que depois de um tempo o café (e outras drogas) deixam
de fazer efeito na mesma dose? Por que nos habituamos a ele? Como isso está
relacionado ao vício? Como isso influencia o tratamento comportamental das dependências
químicas? Como é possível equilibrar os ganhos e prejuízos do uso do café no
nosso cotidiano através do conhecimento de processos comportamentais?
Deixaremos essas discussões para nossa próxima dose de cafeína com Análise do
Comportamento.
Referências:
Corchs, F. (2012).
Considerações da psicofarmacologia para a avaliação funcional. In: Clínica
analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. Em Nicodemos Batista
Borges et al. (Org.). Porto Alegre: Artmed.
Verneque, L.; Moreira,
M. B.; e Hanna, E. S. (2012). Motivação. In: Temas clássicos da
psicologia sob a ótica da análise do comportamento. Em Maria Marta Costa
Hübner, Márcio Borges Moreira (Orgs.); Edwiges Ferreira de Mattos Silvares,
Fancisco Baptista Assumpção Junior, Léia Priszkulnik (Eds.). Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2012.
de Lima, F. A.; Sant'ana
A. E. G.; Ataíde, T. R.; Omena, C. M. B.; Menezes, A. E. S.; Vasconcelos, S. M.
L. (2010). Café e saúde humana: Um enfoque nas substâncias presentes na bebida
relacionadas às doenças cardiovasculares. Revista de Nutrição, 23,
1063-1073.
Ruxton, C. H. S. (2008). The impact of caffeine on mood, cognitive function, performance and hydration: a review of benefits and risks. British Nutrition Foundation Nutrition Bulletin, 33, 15-2
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