Talvez
você tenha chegado neste texto procurando por alguma informação sobre ligas
acadêmicas, acabou encontrando essa tal de Liga Acadêmica Curitibana de Análise
do Comportamento e ficou se perguntando “mas que diabos é essa tal de Análise
do Comportamento?”. É uma pergunta importante e não se aflija: se você não é da
área da Psicologia, dificilmente teve a oportunidade de saber a resposta. Para
sua sorte, lhe preparamos uma explicação introdutória.
Há
milênios as pessoas se perguntam sobre seu próprio comportamento, ou pelo
comportamento dos outros, sejam esses outros pessoas também, sejam eles animais
ou ainda plantas. Mas foi apenas no final do século XIX que um cientista russo,
chamado I. P. Pavlov, fez uma descoberta que revolucionou as investigações
sobre o comportamento[1]. Pavlov, que era um fisiologista dedicado à pesquisa dos
fenômenos digestivos em animais, descobriu que era possível para um indivíduo
aprender um novo reflexo. Pode parecer uma coisa muito simples para tanto
alarde, mas até então se acreditava muito fortemente que todos os reflexos eram
inatos, ou seja, que os organismos já nasciam com todos os reflexos que lhes
eram possíveis, e o que essa descoberta de Pavlov mostrou foi que os organismos
também aprendiam coisas novas.
A
descoberta de Pavlov incentivou centenas de outros cientistas durante os anos
seguintes, que acabaram por formar uma grande tradição de pesquisa conhecida
como Reflexologia, dedicada ao estudo experimental dos comportamentos reflexos.
O conhecimento produzido na Reflexologia muito influenciou a Psicologia, que
acabava de se firmar como uma ciência institucionalmente independente da
Filosofia. Essa influência pode ser percebida principalmente na Rússia, terra
natal de Pavlov[2].
Já no
início do século XX, as pesquisas de Pavlov e sua equipe chegaram aos
psicólogos dos Estados Unidos, que ficaram bastante interessados naquele
conhecimento. Nas primeiras décadas desse século, o psicólogo estadunidense J.
B. Watson, um dos principais envolvidos nas pesquisas norte-americanas sobre a
aprendizagem, publicou um texto que se tornou um marco para a área: A
Psicologia Como O Behaviorista a Vê[3]. Nesse artigo Watson defendeu que a
Psicologia deveria ser A ciência do comportamento e, ao invés de usar métodos
duvidosos, ela deveria estudar apenas aqueles comportamentos que pudessem ser
observados.
A proposta
de Watson, por um lado, representava um avanço importante na tarefa de tornar a
Psicologia uma área do conhecimento realmente científica (de acordo com as
definições de ciência da época), mas também continha algumas limitações, que
foram rapidamente reconhecidas por seus críticos. Uma dessas limitações, talvez
a que mais marcou o behaviorismo proposto por Watson, foi a de que se nós
apenas considerarmos os comportamentos publicamente observáveis, os
comportamentos que não são publicamente observáveis vão ficar de fora da
ciência, e assim comportamentos importantes como o pensar, o sentir, o
emocionar-se, seriam negligenciados.
Independentemente
de suas limitações, Watson fez várias contribuições para o desenvolvimento do
behaviorismo, como ficou conhecida essa psicologia do comportamento (behavior,
é a palavra inglesa para comportamento, e behaviorism, como é usado
originalmente nessa língua, foi abrasileirado para behaviorismo, ainda que
alguns autores traduzam-na para comportamentalismo), e a partir da sua
proposição, muitas outras tradições de pesquisa surgiram. Contudo, nem todas
essas tradições de pesquisa concordavam com o que Watson defendia sobre como
deveria ser a Psicologia. Dentre eles estavam nomes importantes como C. L.
Hull, E. C. Tolman, E. L. Thordike e B. F. Skinner.
Esses
dois últimos são os mais importantes para entendermos o que é essa tal de
Análise do Comportamento que te fez, leitor iniciante, chegar até este ponto do
texto. E. L. Thorndike, tal como os outros nomes citados, era um pesquisador
estadunidense que muito se dedicou à aprendizagem e seus experimentos mais
conhecidos foram aqueles que deram origem à Lei do Efeito. De uma maneira
breve, os experimentos de Thorndike consistiam em colocar um animal privado de
alimento (gatos foram os mais frequentes) em labirintos devidamente construídos
para eles, cuja saída era trancada por um mecanismo que o animal poderia
operar, como, por exemplo, uma trava movida apenas por uma corrente que deveria
ser puxada. Na saída do labirinto o animal encontrava comida.
O que
Thorndike percebeu com tais experimentos foi que quanto mais o animal repetia a
fuga do labirinto, mais rápido suas tentativas se tornavam, até chegar a um
ponto em que o animal saía do labirinto o mais rápido possível. Através desses
experimentos Thorndike formulou a Lei do Efeito, muito importante para o estudo
da aprendizagem, e que afirmava, resumidamente, que em uma determinada
situação, os comportamentos seguidos proximamente pela satisfação se tornarão
mais conectados com aquela situação e os comportamentos seguidos pelo
desconforto se tornarão menos conectados com aquela situação[4].
As
descobertas desses importantes cientistas foram muito significativas para a
formação da Análise do Comportamento como ela é hoje, principalmente porque
muito influenciaram o trabalho de um terceiro pesquisador estadunidense: B. F.
Skinner. Resumidamente, enquanto Pavlov iniciou os estudos experimentais sobre
a aprendizagem de comportamentos, ainda que apenas de comportamentos reflexos,
Watson popularizou essas pesquisas, transferindo as contribuições da
Reflexologia (uma disciplina da Fisiologia) para a Psicologia, e Thorndike
mostrou que alguns comportamentos, diferentemente dos reflexos, mudavam de
acordo com seus efeitos.
Skinner
marcou um ponto de transição muito fundamental e pode ser considerado o
fundador da Análise do Comportamento, tal como a conhecemos atualmente. Podemos
considerá-lo um behaviorista, assim como Watson, porque, dentre outras coisas,
ele defendeu que o comportamento como objeto de estudo científico, mas,
diferentemente de Watson, defendeu que não só os comportamentos publicamente
observáveis deveriam virar objeto de estudo, mas TODOS os comportamentos, sem
exceção.[5]
Para se
ter uma ideia dessa diferença, enquanto Watson defendia que fenômenos como
pensamento, memória e imaginação não deveriam ser estudados cientificamente
porque, como era difícil de observá-los, não haveria rigor científico em seu
estudo, Skinner defendeu que esses fenômenos humanos são comportamentos, assim
como os outros, e havia motivos para estudá-los cientificamente também, ainda
que isso pudesse ser considerado uma tarefa difícil. Porque eram difíceis e
complexos não significava que deveriam ser ativamente ignorados. Dessa forma,
Skinner propôs um behaviorismo diferente, chamado por ele de radical, que não
deveria ser confundido com o behaviorismo defendido por Watson, que Skinner
chamou de metodológico.
Outro
ponto importante acrescentado por Skinner foi a diferença entre comportamento
reflexo e comportamento operante. Podemos considerar o estudo dos
comportamentos operantes como o foco principal dos esforços desse cientista.
Também de uma maneira breve, comportamentos operantes são aqueles que são
afetados pelas consequências que produzem. Os comportamentos reflexos, por
outro lado, são aqueles afetados apenas por eventos que lhe são anteriores, tal
como o espirro que é provocado por poeira no ar, a pupila que se contrai na
presença de luz direta, ou a perna que se estende com a martelada do exame médico.
Por outro lado, girar a maçaneta de uma porta destrancada pode abri-la e isso
aumenta a probabilidade de eu voltar a girar a maçaneta da porta novamente caso
eu precise passar por ela. Podemos chamar esse comportamento de operante.
Outro
exemplo de comportamento operante é quando pedimos a um colega que fale mais
baixo e ele obedece, e, assim, quando eu precisar de menos barulho e o mesmo
colega estiver falando alto, existe uma grande chance de eu pedi-lo para falar
mais baixo, novamente. Comportamentos operantes podem ir de comportamentos
“simples” como andar, olhar e apontar, a comportamentos bem complexos, como
jogar xadrez, reger uma orquestra ou escrever um livro. Todos são marcadamente
influenciados pelas consequências que produzem, e essa explicação difere em no
mínimo um ponto importante da explicação de Thorndike. Enquanto a Lei do Efeito
dizia que um comportamento fica mais estabelecido perante uma situação se
produzir satisfação, Skinner defendeu que as consequências de um comportamento
não exigem sensações para aumentar sua frequência[6]. Por exemplo, girar a
maçaneta para a direita (comportamento), ao invés de para a esquerda, me levou
a abrir a porta (consequência), e, quando eu precisar passar por aquela porta
novamente, tendo a girar sua maçaneta para a direita novamente (aumento de
frequência), independentemente disso me trazer satisfação ou não. Alguns
comportamentos podem levar a consequências que me deem sensações de desprazer,
e ainda assim aumentarem de frequência.
As
pesquisas conduzidas por Skinner e seus colegas, desde a década de 1930,
revolucionaram o estudo do comportamento humano. Inicialmente feitas em
laboratório, com pombos e ratos, logo produziram um conjunto de conhecimentos
aplicáveis a questões humanas. Ficaram famosas as intervenções desses
cientistas em hospitais psiquiátricos, em escolas e até mesmo na psicoterapia
clínica. O behaviorismo, tal como proposto por Skinner, chegou a ser
considerado a terceira força da Psicologia, nos Estados Unidos.
Hoje, o
que chamamos de Análise do Comportamento pode ser entendido como a reunião de
todos os estudos acadêmicos sobre comportamento que estejam comprometidos com a
proposta do Behaviorismo Radical. Dessa forma, costumamos dividir didaticamente
a Análise do Comportamento em Análise Experimental do Comportamento, que
engloba estudos feitos em laboratório, onde é possível ter mais precisão quanto
aos fenômenos estudados, a Análise Aplicada do Comportamento, que engloba as
investigações que utilizam dos conhecimentos da Análise Experimental do
Comportamento para tentar criar tecnologias comportamentais que solucionem
problemas sociais, e a Análise Filosófica do Comportamento, que reúne as
pesquisas sobre problemas filosóficos nos quais a Análise do Comportamento está
envolvida[7].
No
Brasil, a Análise do Comportamento foi inaugurada principalmente durante a
década de 60, quando um pesquisador colega do Skinner, o F. S. Keller, foi
convidado pela USP a iniciar a disciplina de psicologia experimental no curso
de Psicologia recém-criado. Mas a história da Análise do Comportamento no
Brasil é assunto para outro texto.
Por fim,
cabe dizer que embora a Análise do Comportamento, no Brasil, esteja relacionada
com a Psicologia, não há consenso se a Psicologia é Análise do Comportamento,
ou se a Análise do Comportamento é Psicologia. Sabe-se, entretanto, que nem
tudo que é Psicologia é Análise do Comportamento, e nem tudo que é Análise do
Comportamento é Psicologia, e, ainda que psicólogos digam que são analistas do
comportamento, também existem médicos, biólogos, administradores e pedagogos,
dentre outros, que também se dizem behavioristas radicais.
Vale
notar que este texto é apenas uma apresentação, bem sucinta, do que é a Análise
do Comportamento, e muitas coisas importantes e interessantes foram deixadas de
lado nesta para que o texto ficasse pequeno e fácil de ler. Existem diversos
livros e artigos sobre o tema, e é muito recomendado que se dê uma olhada
neles. Para começar, os textos citados aqui e encontrados nas referências (logo
abaixo) são primariamente recomendados.
[1]
PAVLOV, 1980.
[2]
Conferir por exemplo, a influência da Reflexologia na obra de Vigotsky, em
VIGOTSKY, 2010, e VIGOTSKY, 2004.
[3] Cuja
tradução do artigo original em inglês que foi publicado em 1913, pode ser
encontrada em WATSON, 2008, na descrição das referências, ao final do texto.
[4]
Conferir em THORNDIKE, 2007.
[5] A
proposta de Skinner é extensivamente defendida e diferenciada da proposta de
Watson, bem como de outros behavioristas, em SKINNER, 2006.
[6]
Conferir mais detalhadamente em SKINNER, 2003.
[7] Essa
distinção das áreas experimental, aplicada e filosófica dentro da Análise do
Comportamento pode ser encontrada, melhor descrita, em TOURINHO, 2003.
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REFERÊNCIAS.
Pavlov,
I. P. (1980). Textos Escolhidos de Ivan Petrovich Pavlov. In: Os Pensadores
(R. Moreno, H. d. Uflaker, & E. O. Andreoli, Trads., pp. 1-166). São Paulo:
Abril Cultural.
Skinner,
B. F. (2003). Ciência e Comportamento Humano (11ª ed.). (J. C. Todorov,
& R. Azzi, Trads.) São Paulo: Martins Fontes.
Skinner,
B. F. (2006). Sobre o behaviorismo (10ª ed.). (M. d. Villalobos, Trad.)
São Paulo: Cultrix.
Thorndike, E. L. (2007). Animal intelligence.
Vigotsky,
L. S. (2004). Teoria e método em psicologia (3ª ed.). (C. Berliner,
Trad.) São Paulo: Martins Fontes.
Vigotsky,
L. S. (2010). Psicologia pedagógica (3ª ed.). (P. Bezerra, Trad.) São
Paulo: Marints Fontes.
Watson,
J. B. (2008). A psioclogia como o behaviorista a vê. Temas em Psicologia, 16(2),
289-301.