LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Como se mantém o comportamento religioso ?

(Texto escrito por Caroline Molinari - membro LAC-AC)

Mesmo que não seja adepto de nenhuma religião, você provavelmente conhece pessoas que são. Independente de qual seja a sua crença, as chances são grandes que você já tenha  se perguntado o que seria o comportamento religioso, ou tentado entender como ele ocorre - sendo uma pessoa religiosa, com o objetivo de entender melhor o próprio comportamento, e se não acredita, para tentar compreender como as outras pessoas têm esse comportamento.

Do ponto de vista da análise do comportamento, as atitudes religiosas não diferem em nada do restante do comportamento humano, sendo assim, também são passíveis de análise. Como a diversidade de crenças é alta existem várias formas de se relacionar com a religião. Entendendo a impossibilidade de trabalhar com todas foi escolhido focar no comportamento de um cristão, pois assim se estaria mais perto da realidade brasileira.  A religião cristã é baseada na premissa de que se você tiver boas atitudes, quando morrer, irá para o Paraíso, caso contrário irá para o Inferno. Para ajudar as pessoas a emitirem o comportamento que as levaria para o Céu existem algumas “Leis da Igreja”, também chamadas de mandamentos.

Existem duas relações comportamentais básicas que mantém o comportamento religioso, entretanto somente as duas não seriam suficientes para preservar o comportamento durante toda uma vida. Essas duas seriam: o reforço positivo de ir para o Paraíso e a punição positiva de ir para o Inferno. O reforço positivo ocorre quando o acréscimo de um estímulo aumenta a frequência de um determinado comportamento. Nessa situação, o acréscimo do estímulo positivo só ocorreria muito tempo depois da ação que ele estará reforçando. Por ir todo domingo na Igreja e seguir os mandamentos João irá para o Céu, por mais que isso só aconteça  muito tempo depois de João ter praticado todas essas ações o fato de ele ir para o Céu é uma consequência direta delas. Existe uma relação de contingência SE/ENTÃO na situação apresentada; se João for para a Igreja todo domingo e seguir os mandamentos, então ele irá para o Céu. A punição positiva aparece de forma semelhante. Já que a punição positiva seria adicionar um estímulo que diminuí a frequência do comportamento podemos aplicar a mesma lógica empregada para analisar o Paraíso como reforço positivo para entendermos o Inferno como punição positiva. Se João tiver realizado ações que sua comunidade religiosa considera erradas ele irá para o Inferno. Também percebemos uma relação de contingência aqui; se João fizer as ações consideradas erradas, então ele irá para o Inferno. É importante destacar que  nem o reforço nem a punição aconteceriam durante a vida da pessoa. Os dois ocorreriam depois de sua morte, tornando assim as consequências inexistentes em sua vivência.

O motivo pelo qual somente essas duas relações comportamentais não são suficientes é que elas não ocorreriam em vida e quanto mais tempo levar para um comportamento produzir suas consequências menor vai ser o caráter reforçador/punitivo. Ou seja, tanto a promessa do Paraíso quanto a ameaça do Inferno tem pouca capacidade de reforçarem/punirem um comportamento. Para elas atingirem seus objetivos - fazer a pessoa continuar acreditando na Igreja - essas promessas também são associadas à reforços sociais e regras da instituição(mandamentos), sendo assim esses reforços e  regras adquirem um caráter de extrema importância para manutenção do comportamento religioso.

O reforço que a sociedade dá para as práticas religiosas é de suma importância para mantê-la, já que somente o Céu e o Inferno não conseguem assegurar o comportamento religioso sozinhos.  A sociedade atua principalmente no reforço do cumprimento dos mandamentos. Pois, quando alguém tem uma ação que condiz com o que está definido nas leis religiosas essa pessoa é reforçada positivamente por sua comunidade. Dessa maneira as atitudes religiosas vão sendo mantidas aos poucos, as pessoas que partilham da mesma fé a incentivam a continuar se comportando de acordo com os mandamentos e por esse reforço ocorrer é mais provável que a ideia de Paraíso sirva como reforçadora.

O reforço social também tem caráter importante quando se discute as diferenças entre o controle pelas regras religiosas e pelas regras estatais. Enquanto é pouco provável que você seja reforçado por cumprir uma lei civil - não matar alguém - as chances da sua comunidade religiosa reforçar um jejum ou um celibato são altas. Outra diferença entre esses dois conjuntos de normas é o fato que as regras divinas são mais passíveis de serem auto-reforçadas - quando mesmo que a comunidade não reconheça que a pessoa não quebrou o  código ela se sente bem por não tê-lo feito. Por mais que a pessoa seja mais reforçada por seguir as regras religiosas do que as do estado, algumas das proibições da Igreja são muito mais difíceis de se cumprir do que leis civis. Isso se dá com os mandamentos que não envolvem apenas atos. Um exemplo seria o nono mandamento (Não desejarás a mulher do próximo) onde a proibição também acontece a nível de pensamento, tornando assim mais difícil a realização desse mandamento.

Por fim, é importante ressaltar que o comportamento religioso não se limita ao apresentado aqui.  Existem muitas outras religiões, cada uma com pelo menos uma forma diferente de comportamento estabelecido para seus adeptos. O próprio cristianismo tem outros comportamentos envolvidos. Cada grupo religioso representa uma nova análise.

Referências :

Moreira, M.B.; Medeiros, C.A. (2007). Princípios básicos de analise do comportamento. Porto Alegre: Artmed.

Rodrigues, T. S. P., & Dittrich, A. (2007). Um Diálogo entre um Cristão Ortodoxo e um Behaviorista Radical. Psicologia: Ciência e Profissão, 27(3), 522-537.
Skinner, B.F. What religion means to me. Free Inquiry, Spring, 7, 12-13. 1987.