LAC-AC

LAC-AC: Liga Acadêmica Curitibana de Análise do Comportamento

sábado, 27 de setembro de 2014

Como os jogos “clicker” funcionam

(Texto publicado por Guilherme Pawoski Hunzicker - Membro LAC-AC)
Antes de tudo, a análise feita a seguir pode ser aplicada, adaptando à mecânica, a vários jogos do estilo “clicker”.
Há algumas semanas fui apresentado ao jogo Clicker Heroes, é um jogo simples, porém muito viciante. Funciona basicamente assim: o jogador clica nos monstros que aparecem na tela (por isso o nome clicker) até matá-los, fazendo assim com que receba certa quantidade de dinheiro. O que podemos comprar com o dinheiro são os heróis para nos ajudar a matar os monstros mais rapidamente, além disso, é possível comprar habilidades e subi-los de nível para deixar os heróis mais fortes. Ao matar 10 monstros em cada ilha, avançamos para a próxima e matamos mais 10 e a cada cinco níveis há um monstro mais forte, um “chefe”. O jogo prossegue dessa maneira sempre.
Depois de alguns minutos meu amigo me perguntou mais ou menos isso: o que torna esse jogo tão viciante? Porque continuamos jogando mesmo que saibamos que não estamos nos divertindo? Para tentarmos buscar essa resposta na Análise do Comportamento, primeiro precisamos entender o conceito de reforço. Reforço é um tipo de consequência de comportamento que aumenta a frequência do comportamento que o produziu. Ou seja, o organismo, em determinado ambiente, emite uma resposta, que tem uma consequência e nesse exemplo é reforçadora. Aplicando esse conceito ao jogo, cada vez que evoluímos um herói, passamos para a próxima ilha de monstros, matamos um “chefe”, liberamos novos heróis, conseguimos comprar novas habilidades para tonar os heróis mais fortes, etc. é possível dizer que são eventos reforçadores para o comportamento geral de jogar Clicker Heroes.
        Este é um jogo que, de início, é extremamente reforçador, pois nele é muito fácil evoluir os heróis, ganhar habilidades, enfim, prosseguir de maneira rápida. Com o tempo percebemos que tal facilidade para prosseguir está diminuindo, tudo está ficando mais caro, a compra de um ou dois heróis a mais não faz muita diferença e os “chefes” demoram mais para morrer, chegando a um ponto em que a espera para acumular o dinheiro necessário que possibilita a progressão é muito alta, podendo chegar a algumas horas de aguardo. Sendo assim, porque continuamos jogando se nosso comportamento demora muito mais para produzir efeito reforçador e este é mais difícil de alcançar?
        Novamente é necessário explicar outro conceito da análise do comportamento: o conceito de reforçamento intermitente. Por intermitente entende-se que é algo que não possui continuidade, evento que há pausas ou também algo salteado. Sendo assim reforçamento intermitente é quando nossos comportamentos são reforçados de maneira alternada. É possível dizer também que apenas alguns comportamentos que emitimos são reforçados, enquanto outros não são. Nas palavras os autores Moreira e Medeiros (2007, p. 139) “Isso quer dizer que muitos dos nossos comportamentos são apenas intermitentemente reforçados; portanto, um comportamento não precisa ser reforçado todas as vezes em que ocorre para continuar sendo emitido.” No início do Clicker Heroes a compra de heróis é muito significativa, muito reforçadora, e todos os comportamentos que emitimos para adquiri-los são reforçados. Com o passar do tempo e progressão no jogo, os preços aumentam, a dificuldade aumenta. Comprar apenas um herói não é mais suficiente, esse comportamento não é mais reforçado. Porém ao adquirirmos 10 heróis de uma só vez, que é um comportamento parecido, mas com algumas propriedades diferentes, (como a quantidade de dinheiro necessário e o tempo de espera para acumular tal dinheiro) tal comportamento é reforçado. Nesse caso, o custo de resposta é maior, ou seja, é necessário mais esforço para emitir o comportamento de comprar 10 heróis. Temos que nos esforçar cada vez mais para produzir reforço.
        Neste exemplo, pode-se dizer que o tipo de reforçamento intermitente que ocorre é o de intervalo fixo, ou seja, é necessário que o jogador espere determinado tempo (digamos duas horas) para que o efeito reforçador seja produzido, nesse caso a quantia de dinheiro necessária para a próxima aquisição importante. Agora pensemos o seguinte: os preços são cada vez mais altos e os “chefes” são cada vez mais fortes, consequentemente o tempo de espera aumenta de maneira gradativa, discretamente e de modo relativamente lento, assim o tempo que esperávamos anteriormente, duas horas, num piscar de olhos tornam-se quatro, cinco, seis horas de espera, para que finalmente tenhamos dinheiro suficiente para uma compra significativa. Se a mudança de dificuldade fosse muito brusca, provavelmente os jogadores desistiriam facilmente do jogo e/ou ele teria muito menos adesão.
        Posto isso pode surgir a dúvida: mas então porque ou como paramos de jogar, se é tão viciante assim? É importante notar que, se no início da jogatina o custo de resposta (esforço para realizar o comportamento) era baixo, depois do avanço no jogo o custo de resposta se torna altíssimo, afinal o efeito reforçador só é produzido com uma espera de várias horas, dessa maneira não compensa mais manter tal comportamento. Tal questão acerca do custo de resposta muito alto pode ser observada em outros âmbitos de nossas vidas, como quando nos é pedido algum trabalho escolar ou acadêmico em que percebemos que a nota atribuída à realização do trabalho não compensa o empenho a ser empregado.
        Por fim, existem algumas críticas e questionamentos acerca do tema apresentado, no sentido de até que ponto vale apena criar um jogo que não seja necessariamente divertido, mas que tem o propósito de ser viciante, por quaisquer interesses que estejam por trás disso. Todavia tais críticas não serão abordadas no presente texto, mas os leitores que se sentirem confortáveis estão convidados em discutir através dos comentários.


Referências

Moreira, M. B., & de Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Artmed.